Pesquisadores do Reino Unido e da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, desenvolveram um dispositivo dental para, segundo artigo publicado por eles, “combater a epidemia global da obesidade”. O aparelho, que leva o nome de DentalSlim, possui uma tecnologia de ferramentas magnéticas e parafusos que permite que o usuário abra a boca apenas até dois milímetros.
Desse modo, a pessoa fica restringida a uma dieta líquida, mas consegue falar e respirar, de acordo com os desenvolvedores do produto. “É uma alternativa não invasiva e econômica a procedimentos cirúrgicos”, afirmou Paul Brunton, professor vice-reitor de Ciências da Saúde da Universidade de Otago. “O fato é que não há consequências adversas com esse dispositivo”, concluiu.
To clarify, the intention of the device is not intended as a quick or long-term weight-loss tool; rather it is aimed to assist people who need to undergo surgery and who cannot have the surgery until they have lost weight.
— University of Otago (@otago) June 28, 2021
“Para deixar claro, a intenção desse dispositivo não é ser uma ferramenta de perda de peso rápida ou a longo prazo; em vez disso, destina-se a ajudar as pessoas que precisam ser submetidas à cirurgia e que não podem fazer isso até perderem peso”, escreveu a Universidade responsável pelo estudo no Twitter.
“Depois de duas ou três semanas, os ímãs podem ser desengatados e o dispositivo removido. Os usuários podem, então, ter um período com uma dieta menos restritiva e, em seguida, voltar ao tratamento. Isso permitira uma abordagem em fases para a perda de peso, apoiada pelas orientações de um nutricionista”, adicionou o perfil.
Nas redes sociais, a iniciativa foi bastante criticada por ser antiética e foi, inclusive, comparada à tortura. Afinal, até que ponto trata-se de uma “preocupação” com a saúde das pessoas gordas? Além disso, o uso desse aparelho pode culminar em transtornos alimentares graves.
Para a nutricionista Fernanda Imamura, o dispositivo proposto no estudo desumaniza as pessoas gordas, chegando a ser praticamente uma forma de tortura. “Hoje em dia existem muitos estudos falando como a obesidade é algo multifatorial. E essa questão de utilizar um ímã para que as pessoas fiquem com a boca fechada e só possam tomar líquidos é ignorar toda a complexidade da alimentação e do ser humano e se distancia completamente do que seria, de fato, promover saúde para a população“, disse à CAPRICHO.
“Com certeza pode ser um gatilho para o desenvolvimento ou até o agravamento de transtornos alimentares, porque é uma restrição alimentar muito intensa e que pode acabar gerando estresse, ansiedade e desconforto. Na verdade, me espanta que isso tenha sido aprovado no comitê de ética e que, em pleno 2021, um estudo muito gordofóbico como esse tenha sido financiado“, completa.
Na opinião da ativista e influenciadora Izabel Gimenez, a principal problemática é que o aparelho reforça a ideia do emagrecimento a qualquer custo. “Para mim, fica claro que a gordofobia não está interessada em te tornar saudável, porque, muitas vezes, a desculpa que vem por trás das falas gordofóbicas é essa. ‘Estou preocupado com a sua saúde, você tem que se cuidar e se preocupar com a sua saúde’. Mas onde que é saudável ficar três semanas a base de líquidos, sem poder abrir a boca para rir, conversar, viver? É a ideia de que vale tudo, desde que você emagreça”, conta.
“A gordofobia pega a gente por todos os lados e vai tirando a nossa humanidade cada vez mais. Cria-se um estigma de que a pessoa gorda só pensa em comida e nunca se sacia, que é uma pessoa preguiçosa, que não consegue emagrecer porque falta vontade… Mas, a que custo temos que emagrecer? A que custo querem mudar o nosso corpo? A ideia de você prender a boca de alguém para ela não se alimentar é quase um instrumento de tortura”, continua Izabel.
“Quando fazemos uma dieta desse tipo, o nosso corpo passa a entender que estão faltando nutrientes e alimentos. Por isso, da próxima vez que você for comer, o resultado vai ser o efeito sanfona. Então, além de todos os problemas éticos, ainda tem uma promessa falsa de que aquele corpo talvez emagreça, mas a que custo? Está acabando com a saúde mental e física da pessoa durante esse tempo.”
“Não é sobre saúde. É sobre estética. E aí está o problema! Entendemos que o corpo magro é saudável e que, independente de como ele seja e de como for ‘conquistado’, está ótimo e saudável. Mas, uma pessoa gorda que é ativa, se alimenta bem… As pessoas não querem saber, não importa. Elas estão preocupadas em apontar o dedo e enfiar um padrão goela abaixo“, finaliza.
Quem colaborou nesta matéria: Fernanda Imamura, nutricionista; Izabel Gimenez, influenciadora e ativista da luta contra a gordofobia.