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Abuso, perseguição e medo: o BBB21 virou um filme de terror psicológico

As falas e atitudes de Karol Conká despertam gatilhos em participantes e no público, e constroem narrativas não tão simples quanto as de um clichê da ficção

Por Isabella Otto Atualizado em 9 fev 2021, 14h46 - Publicado em 9 fev 2021, 14h41
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CAPRICHO/Sestini/Reprodução

Os últimos tempos no Brasil vêm sendo difíceis, para uns mais do que para outros, como sempre. Mas a vontade de se alienar com um entretenimento das antigas era meio que uma necessidade coletiva. Nas redes sociais, a espera pelo BBB21 era grande, só que bastou uma semana de programa para o reality se transformar em um filme de terror psicológico para Ari Aster nenhum botar defeito. Inacreditavelmente, há quem diga que, em mais de 20 anos de programa, nenhuma edição exigiu tanto estômago dos participantes e do público. Existem algumas razões para isso, mas é possível dizer que, nas edições passadas, o vilão era aquele já esperado: participantes como Marcos Harter, homem branco, cis, heterossexual, com atitudes e falas machistas, que abusava psicologicamente de sua parceira no reality, a Emily, reproduzindo o que acontece com uma frequência assustadora fora da casa: gaslighting, mansplaining, manterrupting e o aumento constante de denúncias de violência mental e emocional contra a mulher, que causa também danos físicos à vítima. Mas e quando o padrão é rompido?

Abuso, perseguição e medo: o BBB21 virou um filme de terror psicológico
Reprodução/TV Globo/CAPRICHO

Karoline dos Santos Oliveira, de 34 anos, a Karol Conká, é de longe uma das participantes mais perigosas do Big Brother Brasil, pelo seu poder de manipulação e persuasão, pela sua trajetória e pela narrativa que ela pode ajudar a construir, que nem de longe é o que acontece com mais regularidade no dia a dia. A rapper negra pregava em suas atitudes e músicas um discurso de empoderamento feminino muito forte, em especial um ligado ao feminismo negro. Talvez por isso o tombo tenha sido ainda maior. O dela e o nosso. Com seus discursos de ódio disfarçados de  “sou uma mulher feminista e forte”, dedos apontados e sua vitimização, Conká fez 19 vítimas dentro do programa, porque todos que passaram pelo BBB21 foram de alguma forma manipulados por ela (alguns tendo mais consciência disso que outros, e escolhendo compactuarem ou não com o jogo).

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Sua vítima mais recente foi o Bil, ou Arcrebiano, com quem ela engatou a muito custo um romance na casa – mas depois fez parecer que, na verdade, quem forçou a barra foi ele. Depois de infernizar com a vida de muitos participantes, como com a de Lucas Penteado, que desistiu do BBB após sofrer ataques constantes e ter sua orientação sexual questionada por aqueles da comunidade LGBTQIA+ que deveriam acolhê-lo, Karol, em seu universo paralelo, mais invertido que o de Stranger Things, chegou à conclusão de que Carla Diaz estava apaixonada por Bil e dando descaradamente em cima dele. Ela espalhou esse boato na maldade em uma festa que terminou com a saída de Lucas, o choro descompensado de Carla, o espanto de Bil, a certeza de Gil, Juliette e Sarah, e a manipulação de seus outros peões do xadrez, que se solidarizaram com a dor da “rainha”, chegando a chamá-la de “Karolzinha”. Dá para culpá-los? Apesar de nossa vontade de a achar que sim, por causa do nosso recorte de telespectador, é mais provável que a resposta seja não. Quando estamos presos na teia de um relacionamento abusivo, que também está presente em relações de amizade, nos tornamos presas fáceis do abusador, que joga com nosso psicológico, se aproveita de debates importantíssimos para provar um ponto, chegando a deturpar lutas sociais antigas e necessárias, e promove uma espécie de cegueira coletiva, ainda mais quando essa teia junta com a de outras espécies perigosas.

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Cada um tem seu tempo e aqueles que conseguem abrir os olhos mais rapidamente, como foi o caso de Gil, Sarah, Juliette e Lucas, sofrem ainda mais com o veneno do predador, porque é como se as presas pudessem organizar uma revolução e desmascarar o jogo da manipulação, uma das principais armas dos que praticam violência psicológica, inclusive uma das mais presentes em relações de abuso, segundo levantamento realizado pelo DataFolha em 2016. É preciso afastá-los. No vídeo acima, é possível ver que Bil, mesmo já tendo provado ter entendido as artimanhas de Conká na casa para se manter no controle de todas as situações e jogar com os outros participantes, mais uma vez se vê encurralado, com medo de ser taxado de machista ou racista pela ex-companheira de jogo e até pelo Brasil. Vergonha e medo são os sentimentos mais citados pelas vítimas de abuso psicológico, que afeta tanto a saúde mental quanto a física. “Diante dessa situação, queremos que o Bil não permaneça no programa, pelo bem dele, e pela saúde mental de toda família”, escreveu o ADM do perfil oficial do Arcrebiano no Twitter, após ver como o participante havia ficado abalado com mais esse jogo da rapper que, antes de falar com ele, chegou a dizer que sabia as palavras certas para fazê-lo se sentir acuado.

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O vilanismo de Karol não é simplesmente porque ela é uma baita oradora, porque já tivemos outros grandes oradores na história do BBB, que jogavam descaradamente, às vezes de forma suja, e ainda assim eram exaltados pelo entretenimento que proporcionavam. O porquê é que a Karol é uma manipuladora em potencial, que faz outras pessoas se passarem por loucas, esvazia lutas sociais e tem todo um discurso que desperta gatilhos muito profundos. Todos nós temos nossas vivências e bagagens, e no Brasil algumas bagagens são realmente mais pesadas que outras, quando falamos da vida de uma mulher negra em um dos países mais racistas do globo. Nós estamos acostumados com a narrativa do vilão, que tem um passado sofrido que é usado para tentar justificar suas atrocidades, mas e quando esse vilão usa em suas justificativas questões sociais, raciais, de gênero e regionais, fazendo um jogo para que as outras pessoas se sintam acuadas e até em dúvida de suas opiniões e atitudes?

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Fora a perseguição cometida por Karol com relação a Juliette, outra característica marcante de abusos psicológicos, temos outro fato que vale a pena refletir. Quantas pessoas na internet, com seus discursos empoderados e anticancelamento, não acabam justamente se comportando como a “Jaque Patombá” na vitrine das redes sociais, se vendendo como algo que no mundo offline não são? E quantas não acabam, com suas militâncias limitantes e egocêntricas, invisibilizando a dor dos outros, se colocando no centro do universo, e exalando preconceitos disfarçados de liberdade? “É o poder. Aceita porque dói menos”, diz trecho de uma música da “mamacita”.

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Abuso, perseguição e medo: o BBB21 virou um filme de terror psicológico
As torcidas do BBB21 estão unidas contra o comportamento de Karol Conká dentro do programa Reprodução/Twitter

Tivemos outras decepções no BBB21, que podem até deixar de ser decepções, visto que a cultura do cancelamento e do descancelamento faz vítimas em questão de segundos, embora nesta altura do campeonato o jogo já esteja bem definido e encaminhado. É verdade que ele só acaba quando termina, mas a gente quer briga por comida, rivais se divertindo nas festas, beijos de todos os tipos, participante comemorando a liderança se jogando na piscina, provas de se pendurar em garrafas de refrigerante, bateção de panela, xixi no quarto, choro por formiguinhas, treta por sabão em pó e sunga branca. O Big Brother Brasil, por mais cruel que ele possa ser com os participantes, não pode se tornar uma eterna prova de resistência para aqueles que estão jogando e assistindo, desencadeando gatilhos, sendo palco para abusos psicológicos, que afetam não só a saúde mental e física da vítima, mas também de seus familiares e dos que estão acompanhando o programa na tentativa de se alienar de uma realidade que já anda exigindo tanto de nós como seres humanos.

Lutas sociais não podem nem devem ser resumidas por uma, duas ou três vozes, porque as vivências são muitas, os corpos são muitos, as negritudes são muitas. E também porque o Big Brother Brasil, por mais que seja um “show da realidade”, não é a realidade por completa, apesar de nos permitir traçar muitos paralelos com ela. No mais, mulheres, como já vimos em outras edições, podem ser machistas, como também podem praticar abuso psicológico e físico, mesmo que não seja o mais comum em nossa sociedade. Importante salientar também que, embora o Código Penal brasileiro dê ênfase na violência psicológica sofrida por mulheres, qualquer tipo de abuso mental e emocional é considerado um tipo de violência e pode ser considerado crime perante a Lei.

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