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Bella Piero sobre cultura machista: ‘nossa sociedade anda doente’

A atriz, que interpreta Laura em O Outro Lado do Paraíso, fala para a CAPRICHO sobre assédio, aborto e feminismo.

Por Isabella Otto Atualizado em 12 abr 2018, 11h30 - Publicado em 12 abr 2018, 11h30

Laura, filha de Lorena, foi abusada aos 8 anos de idade por Vinícius, seu padrasto, um cara considerado distinto por muitas pessoas próximas. Ele tinha um bom emprego, ganhava bem, era bonito… E assediava crianças menores de idade. Essa trama faz parte de O Outro Lado do Paraíso, da Rede Globo, e foi interpretada por atores. Lorena é Sandra Corveloni, Vinícius é Flávio Tolezani e Laura é Bella Piero, o grande destaque da novela de Walcyr Carrasco.

Divulgação/Divulgação

Aos 22 anos, a atriz, que saiu dos teatros e ganhou de vez a televisão após participar de Verdades Secretas, vive seu melhor momento da carreira. Mas, como diria Ben, o tio de Peter Park, “com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”. Ao dar vida a uma vítima de abuso sexual, Bella dá voz a milhares de meninas e traz à tona uma conversa ainda pouco frequente. O Brasil tem, por dia, mais de mais de 50 denúncias de abuso, de acordo com uma pesquisa realizada em 2017 pelo Disque Direitos Humanos. Contudo, o mais assustador é pensar em todas as denúncias que não são feitas, por medo, vergonha ou falta de informação.

Conhecimento é o que Bella Piero quer essencialmente levar para as famílias brasileiras com o grande alcance da personagem. A CAPRICHO conversou com esse mulherão que chora com tanta facilidade na novela, não só porque é uma excelente atriz, mas porque carrega com ela a dor de tantas Lauras pelo mundo.

1. Você imaginava que a Laura teria tanto destaque na novela e entre o público?
Me surpreendi positivamente com a resposta do público! A história da Laura, infelizmente, é o reflexo de uma grande e forte realidade do nosso Brasil. Por isso, acredito que a repercussão tenha sido intensa. Muitas meninas e meninos (em menor quantidade, mas é sempre bom lembrar que com eles também acontece) se identificam e se sentem representados por estarmos expondo um assunto que ainda é pouco discutido no horário nobre da TV. Ver esse assunto sendo exposto de uma forma próxima à realidade, além de acolher as vítimas, as encoraja a ter força de falar sobre essa questão, denunciar e, principalmente, seguir a vida delas tentando entender que o trauma não pode as definir para sempre. Essa libertação precisa acontecer!

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Vinícius e Laura, personagens de O Outro Lado do Paraíso. Divulgação/Divulgação

2. Como foi a preparação para viver a personagens? Você conversou com vítimas de assédio sexual?
Venho me preparando desde Junho de 2017, junto com o todo o elenco, nas oficinas do Eduardo Milewicz, em conversas com os diretores e com o próprio Walcyr Carrasco. Eu também pesquiso muito sozinha. Meu processo criativo tem todo um ritual e eu gosto muito de pegar o pouco que eu sei da personagem e ir improvisando para achar uma composição mais desenhada. Além de filmes, documentários, livros e palestras, o material que mais me inspirou, sem dúvida, foram as histórias da vida real. É assustadora a quantidade de referências que temos, mesmo à nossa volta, sobre esse assunto. Do abuso, verbal ao físico, passando pelo psicológico. Inclusive, percebi que raro é achar uma mulher que não tenha sofrido abuso. Nossa sociedade anda muito doente e, nossa educação, atrasada e deturpada.

3. Qual é o peso de interpretar uma personagem que sofreu assédio sexual em uma época em que assuntos do tipo são cada vez mais discutidos?
Com essa grande exposição de assediadores, rolou uma onda de relatos e de denúncias. Acredito que, com isso, possa ter ficado um pouco mais fácil falar sobre o assunto, o que já é uma grande vitória. Acredito que a função social da novela é grande e ampla: abrir os olhos da sociedade extremamente machista, que ainda perpetua a cultura do estupro. A educação dada às nossas crianças e à nova geração precisa mudar. A diferença de gênero não pode mais ser uma questão. O respeito não pode mais ser pedido. A relação entre pais e filhos precisa ser mais fortalecida, mais empática e transparente. Já passou o tempo de nos calarmos. Merecemos viver em uma sociedade mais igualitária.

4. Você tem recebido mensagens de meninas com histórias parecidas com a de Laura?
Todos os dias, de homens e mulheres. Eles se sentem tão seguros em dividir isso comigo que me contam em detalhes o que viveram. Eu gostaria de conseguir responder um por um, mas sempre leio todos e fico grata, de alguma forma, que a história da Laura esteja ajudar essas vítimas. Muitas conseguiram contar pela primeira vez sobre o abuso. Outras se sentiram tão próximas do comportamento da Laura que, sem entender, foram atrás de ajuda profissional terapêutica. Fiquei sabendo que, após a cena do julgamento, a quantidade de denuncias triplicou! A que mais mexeu comigo foi o caso de uma menina que me contou ter ganhado força através da Laura para denunciar o abusador. A mãe não acreditou nela. O julgamento foi marcado e ela, sem proteção e cuidados, tanto da família como da justiça, estava sendo ameaçada pelo criminoso. É uma triste e comum realidade.

5. Você é feminista. Como é ver pessoas dizendo nas redes sociais que a Laura, que foi abusada aos 8 anos de idade, “pediu”?
Sou feminista com muito orgulho e voz! Não consigo entender por que todas as mulheres não se consideram feministas, se o ideal é justamente ter nossas escolhas e direitos respeitados. Fiz um post no meu Instagram quando começaram a dizer que o “drama” da Laura já estava ficando chato, porque ela estava chorando demais e fazendo muito mimimi. A culpabilização sempre é da vítima, né? O problema é sempre porque ela andou de short curto, “se exibindo”, ou porque ela saiu enrolada na toalha de banho e o homem não se aguentou. Nunca é por causa da cabeça doente do pedófilo abusador. Essa inversão faz parte da cultura do estupro e é um dos fatores que mais assusta e confunde a vítima, justamente porque, em algum nível, elas se sentem culpadas por terem despertado esse desejo. A culpa nunca é da vítima!

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Adriana consolando Laura após a jovem se recordar dos casos de assédio que sofreu na infância. Divulgação/Divulgação

6. Nas redes sociais, você defende lutas do movimento feministo, como a abolição da PEC 181, que insere na Constituição a proibição do aborto inclusive em casos de estupro. Você acha importante se posicionar sobre tais assuntos?
Acho muito importante usar o espaço e a voz que a Laura me deu para falar sobre assuntos que fazem sentido para mim quanto atriz, mulher e ser humano. O quanto eu puder falar que acho necessário nos unirmos para ganhar mais força, eu vou falar. Sou absolutamente contra a PEC 181 e sou contra qualquer questão que desvaloriza as mulheres, nossas escolhas e nossos direitos. Que nos inferioriza, que nos compara, que debocha de nós. Nossa educação precisa exaltar as nossas virtudes e não nossas diferenças de gênero.

7. Qual foi o principal ensinamento que a Laura já tem deu até o momento?
Nossa, foram tantos… Mas se eu tiver que escolher só um, acredito que tenha sido a importância de se perdoar para conseguir seguir em frente. O trauma nunca será esquecido, mas ele pode ser ressignificado de alguma forma, para que não te defina para sempre.

8. Qual é a principal mensagem que você quer deixar para as pessoas que estão acompanhando a novela?
Acho que a principal mensagem já foi dita nessa sequência de cenas até o julgamento: a importância de não se calar e de não deixar ninguém te calar. Abuso sexual é crime e precisa ser denunciado. Mesmo com toda a culpa, dor e vergonha. A maior força é para que o abuso deixe de ser visto por muitos como uma realidade comum e ganhe o peso e os tratamentos corretos. Que a justiça funcione!

9. Você acha que depois de tantas lutas, pessoais, familiares e na Justiça, a Laura vai finalmente chegar ao outro lado do paraíso?
Amei essa pergunta! Com certeza, a Laura está se redescobrindo em camadas profundas como ser humano, sem sentir tanto o peso desse passado e sem a enorme culpa que a engolia anteriormente. Ela vai se libertar, se descobrir como mulher, perceber o marido sensível que ela tem, entender que amor e sexo não devem ser tabus e que ela não deve se sentir culpada por isso. Vão ser cenas muito bonitas, leves e libertadoras. Estou ansiosa para fazer, ver as cenas no ar e mostrar para o público que, mesmo depois de tanta dor, se você quiser, é possível vencer os seus medos e traumas. Mas você precisa querer e ter força. A mudança é interna e sempre começa por você!

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