No último dia 21, eu, Isa, editora de comportamento da CH, parti rumo à Ilha do Cardoso, um parque estadual localizado na região sul de São Paulo, perto de Cananeia. A indicação foi de um amigo, que classificou o lugar como “selvagem”. Me hospedei na Comunidade do Marujá, que abriga cerca de 40 famílias, que abrem as portas de suas casas para hospedar desde turistas curiosos a biólogos, especialistas em Mata Atlântica e animais marinhos, e ativistas ambientais. O lugar é mesmo um paraíso intocado! Mas você pode pesquisar mais sobre o destino no Google. Esta matéria não é sobre turismo; é sobre passar o Carnaval, um dos feriados que mais bombam no Instagram, longe da rede social – e das redes no geral.
Na ilha, pouquíssimos celulares pegam. O meu, por exemplo, ficou o tempo todo sem sinal. Já fui preparada para isso e tinha como meta não me desdobrar para conseguir um cantinho de conectividade. Eu queria fazer um detox, mesmo que por pouco tempo. Foi assim que fiquei do dia 21 ao 26 sem celular. Foi muito louco voltar para casa, conectar o aparelho no wi-fi e vê-lo atualizar sozinho: muitas DMs, mais de 900 mensagens não lidas no WhatsApp (para vocês não acharem exagero, segue print das conversas que ainda preciso ler rs) e um mundo acontecendo. Mas, ao mesmo tempo, nada de novo. A gente pode achar que, em cinco dias, muita coisa pode mudar. E pode mesmo. Mas todas essas coisas podem acontecer com a gente se fazendo presente, ativa nas redes sociais. O imediatismo estimulado pela internet causa essa falsa impressão de que, se ficarmos um dia sem postar uma fotinho no Insta ou um tweet, as pessoas vão se esquecer de nós, como se fôssemos descartáveis e só existíssemos se nossa versão online, nem sempre a mais autêntica delas, também existisse. Não é verdade. Eu passei praticamente uma semana usando o celular apenas como máquina fotográfica e, quando voltei, tudo estava igual.
Fazia tempo também que não me sentava para jantar em um restaurante e não me distraía vendo casais e grupos de amigos olhando mais tempo para as telas dos telefones que uns para os outros. Aconteceu até algo que eu já não me lembrava mais como era: eu saí sem o celular. Daí eu me sentei numa mesa, pedi uma pizza e algumas pessoas que havia conhecido de manhã na trilha que fiz se sentaram comigo. E a gente conversou. Muito. Não me orgulho, mas confesso que fazia tempo que não conversava com as pessoas sem desviar ao menos uma vez minha atenção para o celular.
Outra coisa aconteceu: eu lembrei como é não fazer nada. Literalmente nada. Se você nasceu depois dos anos 2000, o que é bem provável, já cresceu acostumada com a realidade virtual. Eu nasci em 1992 e posso garantir que minha infância e parte da adolescência foram bem diferentes da sua. No finalzinho dos anos 90, chegou o computador lá em casa, mas eu só podia entrar na internet depois da meia-noite ou aos domingo, quando contava apenas um pulso de telefone. Pode parecer meio louco pra você que tem internet ilimitada no celular, mas, resumindo, se usasse a internet do PC numa segunda à tarde, por exemplo, estourava a conta telefônica. Devia ter uns 13 anos quando ganhei meu primeiro celular, e entrar na internet ainda não era tão simples. Ficar conectada no 4G ou wi-fi o tempo todo é algo recente para mim, pode acreditar. E olha que nem sou tão velha assim, só pra vocês sentirem como as coisas mudaram depressa! A questão é que, desde que o Instagram chegou em minha vida (fiz minha primeira postagem em 5 de fevereiro de 2013), não sei mais o que é ficar ociosa. Qualquer oportunidade de mínimo tédio que surge eu entro nas redes sociais para me distrair. Tem vezes que nem tem mais nada de interessante pra fazer lá e eu continuo dando scroll no feed. Sem contar as vezes em que estou vendo TV, comendo ou estudando, e estou ao mesmo tempo dando uma espiadinha nas redes. Fazia tempo que não dedicada 100% do meu tempo a uma atividade específica, por mais boba que ela pareça. Não tinha TV onde fiquei na Ilha do Cardoso, mas tinha livro. Quando eu me propunha a ler, eu realmente lia. Nada de ler duas páginas e pegar o celular pra dar uma checadinha nas notificações. É muito diferente você estar 10/10 focada naquilo que você se propôs a fazer. Parece que o tempo passa de maneira diferente, rende mais. O tempo passa a ter mais tempo. Tinha me esquecido dessa sensação…
Quando digo que sou insegura, as pessoas tendem a duvidar de mim ou a pensar que estou querendo confete. Eu entendo. Numa lógica, me enquadro no padrão europeu de beleza: sou branca, loira, de olho verde e magra. Não vou negar isso nem tenho como. A questão é que a pressão estética recai sobre todas nós, mesmo que mais fortemente para algumas que para outras, é nítido e estatístico. É mais ou menos como levanta a Taylor Swift no documentário Miss Americana, da Netflix: uma hora, você é julgada, criticada e humilhada por não ter bunda; na outra, conquista o bumbum aceito pela sociedade, mas daí já não tem mais uma barriga chapada, porque engordou. Por mais que contas de empoderamento feminino e body neutrality ganhem mais espaço a cada dia que passa, é inquestionável que as redes sociais, em especial, o Instagram, aproximaram da gente essa ideia de “corpo ideal”. Antes, ela ficava nas páginas de revistas, nas passarelas, na televisão. Hoje, com um clique, ela está escancarada em nosso feed. Com mais um clique, você abre um aplicativo de edição de imagens. É muito fácil hoje chegar perto do “corpo perfeito”, mas ele nem sempre é real – como pode ser real algo que existe no imaginário social patriarcal? É lindo dizer que “corpo bonito é que tem alguém feliz e saudável dentro”, mas é apenas um estímulo. Tem dias em que eu simplesmente me olho no espelho e me sinto horrorosa. Tem outros em que me sinto maravilhosa. E tem ainda dias em que tenho esses picos de confiança e insegurança várias vezes, em questão de horas. Passar o Carnaval longe das redes sociais fez eu me sentir mais segura, mais bonita, menos tentada a me comparar com outras mulheres e, consequentemente, reparando menos nelas. Definitivamente, tinha menos gente na ilha que no meu feed do Insta. Acho que isso ajudou. Me senti bem menos ansiosa também e percebi que muitas das minhas paranoias são estimuladas pela vida online e por coisas que vejo nela.
Sinceramente, não sei se posso afirmar que tudo isso tem uma relação direta com o fato de eu ter ficado longe das redes sociais por quase uma semana, durante um feriado em que as pessoas são bastante ativas na internet e “floodam” o feed do Insta com fotos, na maioria das vezes, de uma realidade feliz – mesmo que o viral da criadora de conteúdo que só fica contente no bloco fazendo #publi tenha aberto ainda mais nossos olhos. Entretanto, faz três dias que voltei à rotina e, mesmo me controlando para usar menos as redes, sinto a ansiedade crescer dentro de mim a cada checada nas notificações que dou. Paranoias que não me atormentaram durante o feriado ilhada também estão voltando a cada novo Story que visualizo. É muita tentação e muito tentador se render à “realidade” virtual. Apesar de várias pesquisas classificarem o Instagram como a plataforma mais nociva para a saúde mental, não enxergo ela como uma vilã. Talvez ela seja mais uma anti-heroína, a protagonista das redes, aquela que não apresenta em sua totalidade características típica de uma heroína mas que adoramos amar. E adoramos ainda mais odiar.
Respondendo a pergunta do título, se é que a resposta já não ficou clara, passar o Carnaval ilhada, sem sinal de celular e longe das redes sociais foi ótimo. Por todas as questões acima e por aprender o quão importante é passar mais tempo cuidando de mim que navegando na aba de explorar do Instagram.