Delegado debocha de jovem ao saber que puseram camisinha suja em sua bolsa
'Você é jurista?', ironizou autoridade quando passageira da CPTM questionou se caso não se enquadrava na nova lei de importunação sexual.
Estima-se que mais de 7 milhões de pessoas utilizem trem e metrô em São Paulo diariamente. Agora, imagina a seguinte situação: você é uma dessas pessoas, está na CPTM, sente algo pingar na sua perna, acha que é a marmita vazando e, quando vai checar na bolsa, se depara com um preservativo aparentemente usado dentro dela? Sim, alguém colocou ele lá dentro, mas você não faz ideia de quem foi. Isso aconteceu com a jornalista Clara Novais, de 27 anos, na última terça-feira, 2.
A jovem estava usando a linha Diamante da CPTM. Havia embarcado na estação Palmeiras – Barra Funda e desceria na Imperatriz Leopoldina. Seu trajeto não foi alterado, mas, ao chegar ao destino final, a usuária foi correndo denunciar o caso para os seguranças da estação e não encontrou nenhum. “Eu ainda estou muito assustada. Na hora, até tentei fingir que não estava abalada, para o caso de a pessoa que tivesse feito isso estivesse vendo. Estou ainda processando, meio atônita. Como uma pessoa pode se sentir no direito?“, relatou a mulher horas mais tarde nas redes sociais.
Aliás, foi pela internet que ela conseguiu entrar em contato com a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, que pediu maiores informações sobre o caso e garantiu que ele seria averiguado. No mesmo dia, Clara foi até a delegacia fazer um boletim de ocorrência. Engana-se, porém, quem acha que ela foi bem recebida. Mais uma fez, a Justiça falhou com uma mulher – como falha diariamente.
A jornalista relatou o caso para o delegado, que, primeiro, tentou justificar o fato de ela ter encontrado uma camisinha usada em sua bolsa e depois logo debochou da jovem. “Foi muito constrangedor(…) Fui na delegacia do metrô, na Barra Funda, como me orientaram. O 1º Delegado disse que a camisinha pode ter caído com o líquido dentro da minha bolsa sem querer”, contou a usuária, que na sequência questionou se o caso não se enquadrava na Lei de importunação sexual: “primeiro, ele me perguntou se eu era jurista e depois disse que a mídia exagera(…) Segundo a visão dele, não foi importunação”.
A Lei 13.781/18, conhecida popularmente como “lei da importunação sexual”, foi sancionada no dia 24 de setembro. Com menos de uma mês de vida, ela já se mostra falha. De acordo com o Art. 215-A, importunação sexual é “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. A pena é reclusão de um a cinco anos, “se o ato não constitui crime mais grave”. De acordo com artigo publicado pelos advogados Aury Lopes Jr., Alexandre Morais da Rosa, Marília Brambilla e Carla Gehlen, na site ConJur, a nova lei muda a antiga forma de o STJ entender casos de assédio e estupro. Antes, a vítima precisava fazer um exame de corpo delito para atestar o crime. Hoje, casos de estupros virtuais, conhecidos como sextorsão, também se enquadram nessa lei.
Na teoria, parece tudo perfeito. Na prática, contudo, as mulheres continuam sendo as maiores vítimas do sistema em que vivemos – que, na maioria devastadora das vezes, protege o homem. Colocaram uma camisinha na bolsa de Clara Novais enquanto ela ia para o trabalho. O líquido amarelo pegajoso, que estava dentro do preservativo, manchou suas coisas. Na estação, ela não encontrou nenhum segurança para relatar o caso. Na delegacia, ficou ainda mais constrangida ao fazer a denúncia e ser recebia com deboche por uma autoridade que, teoricamente, estaria ali para protegê-la e, o que é bastante claro (ou talvez nem tanto), fazer Justiça. Para completar, ela agora vem recendo ameaças e mensagens de ódio de caras na internet. Caras que, possivelmente, teriam a mesma atitude do Juiz e do cara que sentiu-se no direito de colocar a camisinha dentro da bolsa dela. Caras que podem ser seu amigo, ser irmão, seu namorado.
Que nojo. E não estamos falando apenas do preservativo usado.