Nos anos 90, a internet era discada e os jovens, para não zerarem a conta bancária dos pais, precisavam se conectar em horários e dias específicos. Aos domingos, por exemplo, apenas um pulso telefônico era cobrado. O barulho da conexão era mais ou menor assim:
Perturbador, ainda mais para você que nasceu depois dos anos 2000, com planos de internet ilimitada inclusive para celulares. Também nos anos anos 90, a banda Oasis, uma das queridinhas dos adolescentes, marcava época e casais apaixonados namoravam ao som de Linger, do Cranberries. Ter um bichinho virtual era pura ostentação e comprar CDs era extremamente comum em uma realidade em que o Spotify ainda não existia.
Se você foi adolescente nessa época, vai curtir relembrar em peso (e, às vezes, até com certo exagero) as referências de Everything Sucks!, nova série da Netflix. Se sente-se apenas nostálgica em relação à década de 90, mesmo sem ter vivido nela, vai conseguir ter um gostinho do que é ser uma 90s kid. O seriado aposta no clichê que vem agradando a maioria das pessoas ultimamente: um grupo de crianças fora dos padrões que vive em uma época que não é a atual. Uma pegada meio Stranger Things, mas sem as ~paradas estranhas~. Everything Sucks! se passa na cidade de Boring, em Oregon, e a maior parte dos episódios tem como cenário a escola em que Luke, Tyler, McQuaid, Kate, Emaline e Oliver estudam.
Há quem tenha curtido o seriado, quem não tenha visto ainda e quem tenha achado ok, mas nada extraordinário. Entretanto, além da trilha sonora, que temos que enaltecer, precisamos falar sobre os protagonistas Luke O’Neil, interpretado por Jahi Winston, e Kate Messner, interpretada por Payton Kennedy. Se você ainda não assistiu à novidade, pode considerar uma das informações a seguir uma espécie de spoiler, mas a gente promete que não é nada que vá afetar a sua experiência. Além disso, vendo o trailer do seriado, você já consegue sacar o que vamos te contar.
Everything Sucks! traz como protagonistas um negro e uma lésbica. Luke é filho de uma aeromoça que batalha muito para criá-lo sozinha desde que o pai do menino os abandonou. Kate é a filha do diretor da escola, uma menina de poucas palavras, que está descobrindo sua sexualidade de uma forma diferente do amigo Luke. O adolescente se apaixona à primeira vista pela garota e só pensa em perder o BV (ou seja, dar o seu primeiro beijo) com ela. Kate, em contrapartida, está mais interessada em beijar meninas.
É muito legal e suave ver o desenrolar dos sentimentos e desejos dos personagens. Uma das partes mais bonitas e significativas da série é quando Kate vê um casal lésbico se beijando durante um show da Tori Amos, sua cantora favorita. Nessa hora, ela percebe que gostar de outras meninas não é errado ou ruim. Ela não é uma aberração, como muitos colegas preconceituosos da escola insistem em dizer. Ela pertence a algum lugar. Ela pode ser quem é e sentir o que sente.
Quando o show termina e ela volta para casa, entra no quarto e começa a observar as paredes, todas repletas de pôsteres de garotos famosos, que foram arrancados de revistas. Em um ato de revolta, uma coisa meio Aos 13 (um clássico filme adolescente lançado em 2003), ela arranca os pôsteres e os substitui por colagens e imagens de mulheres que admira, como Fiona Apple e, é claro, Tori Amos. Nessa hora, ela finalmente compreende que não precisa aceitar o que a mídia e algumas pessoas dizem que é “certo” – e nem sofrer ou se autossabotar pelo que dizem ser “errado”.
Se hoje a AIDS continua sendo um tabu, e os pacientes ainda são marginalizados pela sociedade, imagina em 1996, ano em que se passa a série? Um diálogo no banheiro da escola, entre duas meninas, mostra bem isso. Elas estão falando sobre Kate, quando uma delas questiona: “se ela é lésbica, então tem AIDS?”. A outra responde que é provável. O diálogo é finalizado com a seguinte oração: “não quero ela respirando perto de mim”. Uma cena rápida, mas que mostra como era o pensamento da maioria das pessoas nos anos 90 com relação à doença imunológica, quando rolou o pico da epidemia no Brasil e os estudos ainda não eram tão avançados como são hoje.
Apesar de os personagens serem bem estereotipados, o ponto alto da série é, sem dúvida, a relação de Luke e Kate, e como cada um deles se relaciona com seu próprio “eu”. É surpreendente também acompanhar a história de amor entre Ken, o pai de Kate, e Sherry, a mãe de Luke. Mais uma descoberta, mas uma diferente das que estão tendo os adolescentes de Boring High School.
Por fim, Everything Sucks! é uma série sobre os anos 90, mas, acima de tudo, é uma série sobre descobertas: da sexualidade, de novas músicas, segundas chances, recomeços, amizades, profissões, do primeiro amor. E descobrir esse seriado curtinho pode ser o alívio para um fim de semana de muito tédio. Porque em um mundo em que tudo parece ser um saco, inclusive a escola, você pode ser quem quiser, de Luke O’Neil a Kate Messner, de Oasis a Tori Amos, com 15 ou 150 anos.