CAPRICHO ouviu três produtoras de conteúdo que surgiram e estão crescendo em meio a essa segunda onda de influência –cada uma à sua maneira, elas rompem com padrões estéticos e de comportamento que eram impostos e foram construindo com as seguidoras uma rede de apoio e troca de experiências.
As histórias de Keren Paiva, Baddie Santana e Lorena Eltz têm pelo menos dois pontos em comum: elas começaram a produzir conteúdo porque não encontravam referências para se inspirar e hoje inspiram milhares de meninas e mulheres parecidas com elas.
“Postar foto da acne foi um grito de liberdade”
A influenciadora de beleza divide com os 51,4 mil seguidores dicas que vão de skin care e maquiagem a autoestima, sem esconder sua pele acneica. Ela ajudou a espalhar o movimento #pelelivre no brasil e está sempre desconstruindo a ideia de que uma pele com acne e espinhas está relacionada à falta de cuidados.
“Sempre gostei muito de fotografia e tinha muita vontade de trabalhar com beleza na internet, mas me sentia incapaz porque achava que eu não tinha a pele que precisava para exercer essa profissão. Não via essa representatividade entre outras influenciadoras. Aos poucos, fui entendo minha pele de uma forma diferente, e decidi dividir essas percepções no Instagram.
A primeira vez que eu postei foto da acne, contando sobre a minha trajetória, foi como um grito de liberdade. Percebi que não estava sozinha e que existiam outras pessoas que passavam com suas peles o mesmo que eu passei. Entendi, também, que eu conseguiria ajudar de alguma forma, que esse cenário –muito aos poucos– poderia começar a se transformar.
Ainda são poucas as pessoas que estão falando sobre isso, mostrando e valorizando suas peles como são, em comparação com todo o universo da influência
Keren Paiva
Quando a gente trabalha com beleza, pode escolher se vai contribuir com a opressão ou contribuir para que ela se desconstrua. É importante pensar no tipo de conteúdo que estamos produzindo e consumindo, como aquilo está impactando as pessoas.
Tenho muitas seguidoras adolescentes e também algumas mais velhas, que me escrevem dizendo que queriam ter conhecido o movimento pele livre quando eram mais jovens.
Ainda são poucas as pessoas que estão falando sobre isso, mostrando e valorizando suas peles como são, em comparação com todo o universo da influência. Mas acho que, apesar de ser um movimento pequeno, tem um impacto muito grande”.
“Uma ou duas é pouco. Não representam todo mundo”
Juliana –ou Baddie– Santana fala de moda, autoestima e sexualidade, mas sem deixar de lado recortes de raça e classe. Para a influenciadora, que tem 96 mil seguidores, não adianta ter “uma, duas ou três” como ela, justamente porque meninas e mulheres gordas são tão diversas quanto as brancas e magras.
“Eu acompanhava uma ou duas influenciadoras com um corpo mais parecido com o meu, mas elas não tinham o mesmo estilo. Eu sempre gostei de moda, busquei tendências, mas, como tinha poucas referências parecidas comigo, não me via no mundo da moda. Aos poucos, quando comecei a publicar mais fotos, mas sem intenção de trabalhar com conteúdo, algumas pessoas começaram a se inspirar e pensei que eu poderia tentar ser também uma dessas referências.
Hoje temos um volume cada vez maior de influenciadoras falando sobre diversidade, mas é importante a gente valorizar o trampo delas. Vejo muitas pessoas negras, gordas, falando sobre gordofobia, por exemplo, mas quem ganha mais engajamento são pessoas dentro do padrão estético –brancas, magras, de olho azul– e que ostentam uma vida muito rica, totalmente diferente da realidade brasileira.
Sempre recebo relatos de mulheres gordas que não usavam biquíni, mas conseguiram começar a usar depois de ver o meu conteúdo, por exemplo
Baddie Santana
Algumas vezes isso me desanimou, até pensei em desistir, mas recupero o gás quando recebo mensagens de pessoas agradecendo dizendo que meu trabalho mudou alguma coisa na vida delas –sempre recebo relatos de mulheres gordas que não usavam biquíni, mas conseguiram começar a usar depois de ver o meu conteúdo, por exemplo.
Pessoas gordas têm vários formatos de corpo, vários estilos. Então ter uma, duas ou três ganhando espaço é muito pouco, não dá conta de representar todo mundo. Quanto mais gente falando sobre tudo, melhor”.
“Hoje me sinto livre, encontrei minha turma”
Aos 12 anos, a influenciadora passou a usar uma bolsa de colostomia, mas só aos 20 se sentiu confortável para falar sobre o assunto –com amigas próximas e também no Instagram, onde hoje acumula 500 mil seguidores. Por lá e também no Tik Tok, ela compartilha seu dia a dia e fala sobre deficiência e autoestima.
O hospital em que eu passava atendia muitas crianças e adolescentes que usavam bolsinha como eu –então, elas eram as minhas únicas referências. Mas eu nunca tinha visto outra bolsa, não sabia como lidavam, não conhecia a história delas. Na internet, só encontrei algumas fotos, mas quase todas de pessoas mais velhas do que eu e sem textos ou vídeos que dividissem experiências.
Era muito difícil. Eu me sentia mal sem referências da minha idade ou histórias parecidas com as minhas. Achava que eu era a única adolescente no mundo que usava bolsinha.
Hoje me sinto melhor, me sinto livre. Posso curtir, viajar e ir à praia. E tenho muitos amigos que usam a mesma bolsinha que eu –nós trocamos dicas, experiências. Encontrei a minha turma.
Lorena Eltz
Eu escondia isso de todo mundo, inclusive das minhas amigas mais próximas. Mas, aos 18 anos, começou a ficar mais difícil, porque eu era convidada para viajar com elas para a praia, por exemplo, e não ia, porque não queria que vissem minha cicatriz e minha bolsa. Ou, quando ia, inventava mentiras para ficar de camiseta, para explicar porque precisava ir tantas vezes ao banheiro.
Falar sobre isso tudo mudou minha vida. Foi tudo por impulso. Decidi falar porque queria fazer novos amigos, namorar, e não ter que falar sobre essa questão toda vez que conhecia uma pessoa nova. Era muito desconfortável.
Postei uma foto no espelho mostrando a bolsa e contando o que eu tinha. Logo comecei a receber várias fotos no privado, de pessoas da minha idade, que também usavam bolsinha e nunca tinham mostrado a ninguém, mas se sentiram encorajadas a mostrar pra mim. Foi um momento importante, que me emocionou, me fez chorar muito.
Hoje me sinto melhor, me sinto livre. Posso curtir, viajar e ir à praia. E tenho muitos amigos que usam a mesma bolsinha que eu –nós trocamos dicas, experiências. Encontrei a minha turma.