O ano de 2019 pode ter começado cheio de paz e alegria para muitas pessoas (assim como deve ser), mas algumas notícias e acontecimentos de repente vêm à tona e nos lembra de que, em muitos lugares do mundo, ainda tem gente lutando por direitos básicos – mesmo que, sim, estejamos em 2019.
Na Índia, por exemplo, centenas de mulheres estão envolvidas em uma forte onda de protestos com um pedido que já foi permitido pelo Supremo Tribunal do país, mas não aceito por uma parte da população: a entrada das indianas em alguns templos da religião hindu, que ainda as proíbem no santuário por considerá-las impuras. Foi por conta dessa proibição que um grande número de mulheres se reuniu em um dos protestos mais bonitos e importantes que a Índia já viu – e o mundo também.
Para início de conversa, esta proibição vem de uma tradição muito antiga de uma das religiões do país indiano. Segundo a crença hinduísta, mulheres em idade fértil (idade em que menstruam, entre os 10 e 50 anos) não podem participar de rituais religiosos ou entrar em templos da religião, por serem consideradas muito “impuras” para esses locais sagrados. O costume afirma que elas poderiam servir como “tentação” para os deuses. No templo de Sabarimala, um dos santuários mais sagrados da religião hindu e um dos poucos que ainda barram mulheres na Índia, elas são ainda menos bem-vindas porque o deus homenageado é Ayyappa, uma divindade do celibato.
Foi apenas em setembro de 2018 que o Supremo Tribunal da Índia permitiu o acesso de mulheres em qualquer idade ao templo de Sabarimala, em Kerala, após receber uma petição assinada por milhares de indianas, argumentando que o costume era uma violação à igualdade de gênero. A decisão histórica, contudo, não foi apoiada por toda a população.
Desde a decisão, várias mulheres foram bloqueadas por manifestantes de grupos da extrema-direita hinduísta que consideram a liberação como um desrespeito às tradições religiosas. Segundo o jornal The New York Times, pelo menos 12 indianas tentaram acessar o templo, mas encontraram homens que gritavam, incendiavam veículos, atiravam pedras, agrediam os policiais que as acompanhavam e até mesmo se deitavam nos degraus do local para impedir a passagem. Muitas delas usavam capacetes e coletes à prova de balas, mas todas foram obrigadas a voltar.
No primeiro dia de 2019, milhares de mulheres saíram às ruas e formaram uma parede humana de 620km em apoio à igualdade de gênero. O protesto, que percorreu uma longa extensão do estado, foi chamado de “Muro de Mulheres” e recebeu apoio da polícia e de alguns partidos políticos, além da presença de homens que também defendiam a entrada das indianas nos templos.
Na madrugada do dia 2 de janeiro, duas mulheres contaram com a ajuda da polícia para entrar no templo usando túnicas pretas, correndo com as cabeças abaixadas, e sair sem serem vistas. Kanaka Durga e Bindu Ammini, ambas de 42 anos, foram as primeiras indianas a entrarem no templo hindu desde a decisão do Supremo Tribunal. O acontecimento foi registrado em vídeo e compartilhado várias vezes, até que chegou nas mãos do líder espiritual do templo, que logo ordenou que o local fosse fechado para um ritual de purificação.
Após a “quebra” de um costume de centenas de anos, dezenas de manifestantes revoltados entraram em confronto com a polícia. Centenas de pessoas já foram presas e uma foi morta. Por segurança, Kanaka e Bindu se esconderam. Em uma entrevista concedida à rede CNN em um lugar secreto, as duas mulheres afirmaram que estão preocupadas com a atual situação do estado. “Não estou preocupada com minha segurança, mas com a segurança da sociedade. Muitas pessoas estão lutando nas ruas e estou muito preocupada com isso”, Bindu disse. Um dia depois da entrada da dupla no templo, mais uma mulher conseguiu acessar o local sagrado. “Minha mensagem para as mulheres da Índia é, por favor, quebrem o sistema e, por favor, rompam com os maus costumes. Essa é a mensagem”, Bindu completou.
Esperamos que outras mulheres na Índia e no resto do mundo possam se inspirar com a coragem dessas duas indianas e todas as outras que fizeram um protesto tão simbólico. Que 2019 seja um ano de mudanças, para o bem <3