Para tantas meninas, inofensiva. Para outras, o começo de uma batalha interna contra a baixa autoestima ou a reafirmação de um trauma ligo à aparência já existente. A “lista das mais gatas da sala” é um costume recorrente em várias escolas, feito por meninos e para meninos, usando como base aquele antigo preceito patriarcal de que mulheres não passam de objetos a serem admirados e julgados por padrões estéticos.
Pode parecer exagero, mas essas “listas de aparência” fazem vítimas cada vez mais jovens. Em 2018, a brasileira Dielly Santos, de 17 anos, cometeu suicídio para escapar do bullying e da gordofobia. A adolescente era frequentemente chamada “lixo” e “porca imunda” pelos colegas de classe, e nunca estava presente nessas listinhas. Em 2017, a irlandesa Milly Tuomey, de 11 anos, também se matou por achar que não tinha “um corpo ideal”. O nome dela também nunca aparecia na “lista das mais bonitas da sala”. “Salva a mais gatas, afoga as mais feias” é o que vem escrito naquelas famosas camisetas vendidas em Porto Seguro, um destino bombado de formatura de estudantes do 3º ano do Ensino Médio, né?
No Brasil, a cada 45 minutos, alguém entre 15 e 29 anos de idade comete suicídio, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde). Listas que classificam garotas pela aparência só reforçam padrões estéticos e acabam com a saúde mental de qualquer pessoa, mesmo daquelas que ocupam a 1ª posição do ranking – afinal, a pressão para continuar no topo, “a mais popular da escola”, existe. Mas esse costume, tão ligado à meninos no auge da pré-puberdade, está intrínseco no “combo da masculinidade”, como mostram os homens do BBB20, por exemplo. Todos com mais de 24 anos provam que as enquetes do Ensino Fundamental continuam com tudo na idade adulta.
Há poucos dias, Felipe, de 27 anos, opinou sobre a aparência da cantora Manu Gavassi: “é magra demais. Precisa engordar um pouco, além de ser a mais feinha do programa”. Ele também disse que a participante Mari Gonzalez está magra demais.
O surfista Lucas Chumbo, de 24 anos, o “tarado-surreal-que-não-passa-mais-de-7-dias-sem-transar”, também fez um comentário relacionado à aparência da sister Flaylane: “eu estava tão desesperado que pegava até a Flay”, disse durante uma festa, como se ele fosse irresistível e a participante jamais conseguisse dizer não a ele.
Eis que o brother Hadson, de 38 anos, chegou para completar o time da “classe escolar do BBB20”. Ele criticou o participante Guilherme por ter feito cabaninha para Bianca Andrade se trocar com segurança depois da festa. A empresária estava visivelmente alterada por causa da ingestão de bebidas alcoólicas. Hadson, como deixou claro, queria se aproveitar da condição da sister e do momento para ver alguma coisa. “De calcinha, toda blá”, disse, fazendo referência à embriaguez da Bia. Por causa da atitude do Gui, Hadson chamou o colega de confinamento de “Don Juan, Cinderelo, cara pra casar” e ainda terminou o desabafo machista soltando um “filho da puta”, apenas a cerejinha do bolo.
É claro que mulheres também falam sobre a aparência dos homens, e que todo mundo tem suas preferências, também conhecidas por “tipo”, “número”, e por aí vai. A questão é a forma como como esse papo é desenvolvido e a herança machista que faz com que os homens se sintam no direito de julgar a aparência de mulheres em “certo ou errado” tendo como base a opinião deles, ‘verdades absolutas”, como se nós tivéssemos que viver em função de agradá-los. A “classe escolar do BBB20” tem a famosa “autoestima de um homem hétero”.
Veja mais algumas aspas que deixam isso claro:
- “Essa edição é a que tem menos gatas(…) Não veio uma novinha gatinha. Novinha, digo, 25 anos.” – Lucas Chumbo
- “[As meninas] são muito gente boa, divertidas, loucas(…) Mas a qualidade podia ter sido um pouquinho melhor mesmo.” – Petrix Barbosa
Mas, viu, meninos da 4ª série, desculpem a gente pela generalização, que tem muito “novinho” mais consciente e menos machista que os “gradinhos” do Big Brother Brasil – dessa e de outras edições. Afinal, a “listinha da mais gatas da casa mais vigiada do país” é recorrente.