Desde que Damares Alves, de 54 anos, advogada e pastora, foi nomeada para o cargo de ministra dos Direitos Humanos, da Família e dos Direitos da Mulher do governo Bolsonaro, no último dia 6, a nossa futura representante em Brasília deixou claro que seu principal programa de governo será a proteção de crianças e jovens. Nada mais justo, afinal ela é um conhecido nome na luta contra a pedofilia.
Para isso, o Estatuto do Nascituro, paralisado na Câmara das Deputados desde 2013, deve ser retomado pela ministra e ela pretende seguir também com a proposta da “Bolsa Estupro”, como tornou de conhecimento público na última terça-feira, 11, durante discurso oficial.
Para entender o que é a tal “Bolsa Estupro”, é preciso primeiro esclarecer o que é o Estatuto do Nascituro. O projeto de lei nº 478/2007 prevê proteção máxima aos bebês desde que ele é um feto, ou seja, um nascituro. Cientificamente falando, na espécie humana, o embrião só se torna um feto após nove semanas de gestação. O Estatuto do Nascituro também pretende proibir pesquisas com células tronco embrionárias no país.
Tá, mas o que isso tem a ver com a “Bolsa Estupro”? Na verdade, a retomada da Lei do Nascituro por Damares Alves é uma tentativa de interromper a ADPF 442, que discute a descriminalização do aborto no Brasil. A futura ministra, que é pastora e tem o apoio da Bancada Evangélica, é expressamente contra o aborto, mesmo em casos de estupro.
A “Bolsa Estupro” então funcionaria como uma espécie de previdência para a mulher estuprada que não quer abortar. A Justiça cobraria do estuprador um auxílio financeiro e, caso ele não fosse identificado, o Governo auxiliaria financeiramente essa mulher até os 18 anos do(a) filho(a).
Atualmente, a Constituição não vê como crime o aborto cometido por vítimas de estupro, contudo, desde a criação da PEC 181/2015, que quer criminalizar o aborto também nessas condições, as discussões sobre o tema têm se tornado ainda mais acaloradas.
É impossível dizer que Damares Alves não quer alterar a Constituição quando propõe a retomada do Estatuto do Nascituro e a aprovação da “Bolsa”. “Nós vamos estabelecer políticas públicas para o bebê na barriga da mãe nesta nação”, disse a ministra ao chegar no gabinete de transição do governo, em Brasília.
É difícil ser imparcial em uma discussão como essa, mas será que um plebiscito popular como aconteceu na Irlanda recentemente não seria a solução mais justa com relação ao futuro do aborto no Brasil? A pastora Damares não representa as mulheres que são a favor da descriminalização do aborto. Como fica a situação e o amparo dessas mulheres durante o governo dela? É difícil se manter imparcial e todos possuem lugar de fala, mas o protagonismo sobre o assunto deveria ser deixado para as pessoas do sexo feminino. Veja, por exemplo, o que aconteceu no jornal Morning Show, da Rede Jovem Pan: ele colocou Caio Coppolla, homem, cristão e contra o aborto, para opinar sobre o assunto. Um pouco claro que o discurso dele seria tendencioso, não?
Muitas pessoas, contudo, já se posicionam nas redes sociais contra as decisões da futura ministra, principalmente à respeito da “Bolsa Estupro”:
Vale lembrar que a discussão sobre a tal “Bolsa” já gera polêmica desde 2007, quando foi criada pelo deputado evangélico Henrique Afonso Soares. Na época, o então político deu a seguinte declaração ao jornal O Estado de S. Paulo: “se, no futuro, a mulher se casa e tem outros filhos, o filho do estupro costuma ser o preferido(…) tem uma explicação simples na psicologia feminina: as mães se apegam de modo especial aos filhos que lhes deram maior trabalho“. Em seu canal do YouTube, Caio, o que opinou sobre a proposta de Damares no Morning Show, também faz um posicionamento um tanto quanto duvidoso no vídeo intitulado “Aborto: seu Corpo? Suas Regras”: “tirando situações muito excepcionais, o direito à vida prevalece”, disse, dando a entender que situações criminosas, como de aborto, podem nem ser tão excepcionais assim.
Ainda no discurso dado na última terça, 11, a ministra disse que “o Estado arcará com os custos respectivos até que venha a ser identificado e responsabilizado por pensão o genitor ou venha a ser adotada a criança, se assim for da vontade da mãe”. E se não for a vontade da mãe, Damares Alves, como faremos? No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, uma mulher morre a cada dois dias vítima de um aborto inseguro (lê-se clandestino). Será que a “Bolsa Estupro” é mesmo a solução mais eficaz para o tão sonhado “Brasil sem aborto” da ministra?