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Porque tudo o que ainda está acontecendo com o Cocielo não é exagero

Nossa colunista Ana Carolina Pinheiro analisa comentários sobre o caso e explica a importância de expor situações racistas.

Por Ana Carolina Pinheiro 7 jul 2018, 19h06

Durante o último jogo da Seleção Francesa de Futebol Masculino e da Seleção Argentina na Copa do Mundo 2018, na Rússia, o YouTuber Júlio Cocielo comentou em seu perfil no Twitter que o jogador francês Kylian Mbappé “conseguiria fazer uns arrastão top na praia hein”. Segundo ele, o post foi “interpretado de mil formas diferentes” e ele estava se referindo à velocidade da corrida do atleta – mas se esqueceu de que comparar a velocidade de um jogador negro com a corrida de um ladrão é algo racista.

Reprodução/Reprodução

Com os comentários dos usuários no Twitter questionando a publicação, Cocielo se desculpou e deletou o tweet rapidamente. A situação ganhou mais força quando famosos e anônimos começaram a expor o YouTuber usando outros tweets racistas feitos por ele em outrora. Infelizmente, é assim que funciona: você precisa de provas escrachadas para provar que uma situação é racista. Assim, o que já era inadmissível ficou ainda pior com a reprodução de conteúdos antigos do “influenciador”. Em 2013, por exemplo, ele postou esse absurdo: “gritei vai macaca pela janela e a vizinha negra bateu no portão de casa pra me dar bronca”. Esse foi um dos 50 mil comentários que Cocielo apagou de sua conta no Twitter.

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Mimimi? Não. Problematização desnecessária? Não. Surpresa? Também não. Casos racistas, infelizmente, não são novidades, nem na vida real nem na mídia. E por mais que não seja prazeroso e tranquilo falar e, principalmente, sentir na pele, o racismo ainda precisa ser muito discutido na sociedade para termos um espaço mais respeitoso. Por isso, fingir que o preconceito racial não existe é a mesma coisa que varrer a sujeira para debaixo do tapete e não fazer nada para mudar essa situação.

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Quando acontece um caso como esse, não é difícil encontrar questionamentos do tipo: “o racismo está em quem leu e interpretou desse jeito”. Falar que a culpa do racismo é de quem identifica ou sofre com ele é uma maneira de tirar a culpa do agressor e ainda questionar o que é tolerável ou não para quem foi oprimido. A partir do momento em que uma pessoa agride, verbal ou fisicamente, uma pessoa ou um grupo étnico, não existe a possibilidade de ser piada ou erro de interpretação.

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“Os tuítes são de anos atrás. As pessoas mudam”. Esse também foi um argumento usado por muitos internautas para defender Cocielo. Será que ele não mudou seu pensamento ou evoluiu? Realmente, as pessoas podem mudar em cinco anos (e ainda bem que mudam!), porém os comentários racistas não se tornam menos ofensivos com o tempo. O “influencer” não precisava ter repetido o erro para comprovar que foi racista, mas o fato de ter feito comentários desse nível, seja em 2013 ou 2018, mostra que não houve evolução nesse período.

Em um vídeo divulgado em seu canal no YouTube, na noite da última quarta-feira, dia 4, com o título “Ignorância”, Cocielo fala sobre estar arrependido, pede desculpa para quem ofendeu e agradece as pessoas que explicaram a ele sobre racismo estrutural e velado. Já a “influenciadora” Tata Estanieck, esposa de Cocielo, comentou em seus Stories que o YouTuber errou e que “ninguém passou a mão na cabeça dele”. Ela ainda disse que “ignorância não se resolve com ódio e palavras ruins, mas com amor e educação”. Bom, o ódio é um sentimento que não faz bem a ninguém mesmo, principalmente para quem sente, mas a reação a um episódio que ofende e machuca um grupo não necessariamente será controlada e muito menos carinhosa – principalmente quando o grupo em questão tem um histórico tão cruel quanto os negros têm no Brasil e no mundo. Discordar e questionar a postura do YouTuber não significa desrespeitá-lo.

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Cocielo reconheceu o erro? Sim. Pediu desculpas? Também. Fez o que era preciso? Com certeza. Mas cometeu o erro (ingenuidade? será?) de curtir logo em seguida o comentário de um seguidor, que postou a seguinte mensagem no Instagram: “sociedade hipócrita, reis do mimimi. Deixem de inventar coisas nas suas cabeças”. Fica então a dúvida: será que o motivo do vídeo foi realmente reconhecer sua atitude racista e se arrepender dela ou apenas amenizar uma polêmica?

A repercussão sobre o caso não serve apenas para expor o comportamento racista e preconceituoso do YouTuber. O questionamento é necessário para mostrar às pessoas que vivem fazendo comentários do tipo e continuam dizendo que “é só brincadeira” que o racismo não pode nem vai passar despercebido. Por isso, repreender a atitude do digital influencer, e de qualquer outra pessoa que cometa esse crime, não é exagero e nem perseguição, mas sim uma ação necessária para brecar o racismo.

Nenhuma pessoa nasce racista, mas crescemos em um espaço que transborda preconceito das mais variadas formas, principalmente o racial. Por isso, é preciso usar essa situação para pensarmos sobre como o racismo está escondido e naturalizado em nosso dia a dia. E o que estamos fazendo para mudar isso. Afinal, não basta ser não ser racista; é preciso ser anti-racista.

Ubuntu!
@anacarolipa

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