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Toda mulher é feminista, algumas só não descobriram isso ainda

Lamentamos informar que se posicionar contra o título desse texto e xingar muito no Twitter já é um ato feminista. Ou seja...

Por Isabella Otto Atualizado em 8 mar 2019, 15h09 - Publicado em 8 mar 2019, 15h00

O medo de um nome só faz aumentar o medo da própria coisa“. Essa citação aparece em Harry Potter e a Câmara Secreta e é dita por Hermione Granger, que, em meio a tantos bruxos, levanta a voz para dizer que nenhuma pessoa deveria acreditar que pronunciar o nome de Voldemort é algo amaldiçoado. Para muitos, Mione é a verdadeira protagonista da saga e as grandes batalhas, tanto as mentais quanto as físicas, não teriam se resolvido tão facilmente sem ela. Talvez essa afirmação seja tão polêmica quanto o título deste texto, mas Hermione tem razão: alguns nomes causam um arrepio na espinha sem que saibamos exatamente o porquê.

Europa Press News/Getty Images

Feminismo. Feminismo. Feminismo. Feminismo. Por que essa palavra ainda é tão evitada por mulheres e causa tanta repulsa em homens? A resposta para a segunda pergunta é fácil. Lembra dos homens das cavernas, aqueles que estudamos nas aulas de história do colégio? Eles eram tidos como os líderes da casa. Saíam para caçar, colocavam comida na mesa, eram brutos e muitas vezes tratavam a mulher como objeto. Mulher essa que deveria ficar em casa, cuidando do lar, pois o mundo era muito perigoso. Sempre foi assim. A mulher é o sexo frágil, a dona de casa, a esposa, a amante, a provedora. E quando elas começaram a questionar esses arquétipos estabelecidos pela sociedade patriarcal e sair às ruas, os homens se assustaram. Um padrão estava sendo quebrado. Incomodou, incomoda e é pra incomodar mesmo. Se hoje você está lendo isto aqui e tendo a liberdade de se posicionar, seja contra ou favor, saiba que deve isso ao feminismo. Então, por que continuar batendo no peito e garantindo que não é feminista?

Não existe uma resposta certa, mas várias suposições. Insegurança é uma delas. Há tanto tempo vivendo em uma sociedade patriarcal e sendo ensinadas por conceitos ditados por ela, muitas garotas preferem continuar na zona de conforto. “É com o feminismo que a mulher aprende a adquirir uma identidade autônoma, isto é, deixa de ver-se com os olhos do homem e passa a verse com seus próprios olhos”, diz Rose Marie Muraro no livro Os seis meses em que fui homem. Enxergar-se e reconhecer-se como mulher já não é uma tarefa fácil por si só, em um ambiente machista, ela se torna ainda mais complicada.

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O novo pode assustar. E estar aberta ao novo pode te fazer enxergar coisas que você não enxergava quando estava acomodada. Pode causar revolta, medo, repulsa, e pode fazer você causar repulsa em outros. Ser aceito é um item de primeira necessidade para o ser humano. Não ser aceito é o fim do mundo. É por isso que, às vezes, a gente prefere fechar os olhos para que continuemos fazendo parte de um todo, mesmo que esse todo não nos represente.

Há também quem acredite que o feminismo virou um produto do capitalismo, algo que dá dinheiro, gera cliques, contabiliza. “Esse feminismo não me representa”, dizem. Se esquecem, porém, que só esse ato de se posicionar e ter voz, inclusive na internet, já é um ato feminista. Historicamente, há duas ondas do movimento. A primeira teve inicio no século XIX e foi marcada pela luta das mulheres (conhecidas como sufragistas) pelo direito ao voto. A segunda, surgiu em meados do século XX, e se assemelha mais com o feminismo de hoje, que busca a equidade de gênero, a libertação e o fim da violência contra a mulher.

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Enquanto você lê este texto, três mulheres estão sendo espancadas no Brasil. E na próxima hora, mais três. E assim suscetivamente. Esses dados do SaferNet Brasil, baseados em levantamentos de 2017, são uma das provas mais cruéis de que toda mulher deveria se considerar feminista, porque nenhuma de nós está a salvo. Mas dá medo, é compreensível. Dá medo levantar a voz em um ambiente em que você é minoria. Dá medo fazer uma denúncia contra alguém que te chantageia todo o santo dia. Dá medo responder a uma cantada na rua sabendo que você está vulnerável a sofrer um ataque. Dá medo estender a mão para uma menina em uma sociedade que tanto estimula a competição entre garotas. Dá medo se posicionar a favor de algo que ainda é visto por muitos como um tabu. Dá medo dizer que é feminista em um mundo machista. Dá medo. Mas quando esse sentimento estiver te dominando, desperte a Hermione que existe em você e lembre-se de que “o medo de um nome só faz aumentar o medo da própria coisa”.

E daí você pode continuar dizendo que não se considera feminista, mas se você continuar se posicionando dessa maneira, saiba que talvez seja melhor se posicionar contra o direito ao voto, o direito ao estudo, o direito ao próprio corpo e o direito à vida. Afinal, essas foram algumas conquistas do feminismo, que não te representa, certo? Apesar de hoje ainda haver lugares, inclusive dentro do Brasil, em que a sociedade é extremamente machista e trata a mulher como se ainda vivêssemos na Idade da Pedra, hoje você só pode votar porque, em 1927, a professora Celina Guimarães Viana foi a primeira brasileira a conseguir o registro de voto, após muitos anos de luta no mundo todo. Se hoje você estuda, e reclama todo o dia de ter que ir à escola, saiba que é por culpa de Nísia Floresta, que, em 1827, depois de muito sangue, suor e lágrimas, conseguiu que as mulheres tivessem autorização para estudar. Se hoje você pode comprar a roupa que quiser, sair na rua como quiser, levantar a voz contra o feminicídio, escolher com quem, quando, onde e como, saiba isso que só se tornou possível com um projeto de lei sancionado em 1962, intitulado Estatuto da Mulher Casada. Antes disso, cabia ao homem ter voz sobre e pelas mulheres. E se hoje você luta pela sua vida com o mínimo de respaldo do governo, saiba que, até 2016, quando a Lei Maria da Penha foi aprovada, subordinar-se a um homem era muitas vezes a única opção de vítimas de violência doméstica. Porque se hoje já é complicado, antes era ainda pior. O caminho é longo e a luta é diária, mas se hoje você consegue cogitar uma luta, é porque muitas mulheres no passado foram corajosas para levantarem a voz, irem contra aquilo tudo o que lhes foi ensinado seguindo os valores de um homem, sangrarem e morrerem. Se hoje você está aqui e se considera livre para ser quem é, é porque o feminismo existe. E porque é, sim, uma feminista. Ou você realmente prefere viver em uma caverna porque não tem outra opção, não porque escolheu isso para você? É sobre igualdade e liberdade. Quem acha que é sobre supremacia, acha errado.

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Seja bem-vinda, feminista. Estude o movimento, encontre sua vertente, lute pelo que acredita. A casa é sua. Mas não precisa fechar a porta quando entrar. Queremos poder viver sem medo, sem trancas ou amarras. Queremos ter um lar seguro. Queremos aquilo que é nosso por direito. Queremos a cozinha, a sala, o quarto, o banheiro, a biblioteca, o escritório, a garagem, queremos o direito de poder entrar e sair, sozinhas ou acompanhadas, do jeito que nos sentirmos mais confortáveis, sem que sejamos julgadas por isso ou transformadas nas vítimas que não pedimos para ser. Queremos não ser interrompidas nem termos a vida interrompida. Não é o que você quer também? Tô, pega a chave. Ela é de todas. Entra pra um café, um chá, um suco, uma cerveja amanteigada. A porta segue sempre aberta.

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