Em 2004, Cyntoia Brown foi presa nos Estados Unidos depois de matar Johnny Allen, de 43 anos. Na época, ela tinha 16. No julgamento, a garota relatou que estava tentando se defender de um abuso sexual. Mesmo alegando legítima defesa e afirmando que ela seria estuprada, ela foi condenada a prisão perpétua. Chocante, mas a história de Cyntoia é ainda mais complicada…
A americana era apenas um bebê de dois anos quando foi entregue à adoção. A mãe biológica, Georgina Mitchell, era alcoólatra e não tinha condições de cuidar da filha, que foi foi adotada por uma professora chamada Ellenette Brown. Quando completo 16 anos, Cyntoia se envolveu com Garion McGlothen, mas o relacionamento se tornou abusivo. O cara, um traficante de 24 anos apelidado de “Cut Throat” (algo relacionado a “mortal” ou “assassino”, em português), obrigava Cyntoia a se prostituir nas ruas para dar dinheiro a ele.
Os dois viveram juntos em hotéis por cerca de três semanas, fazendo uso de substâncias ilícitas. Garion sufocava, agredia e apontava armas para a cabeça de Cyntoia. Na prisão, a garota contou que, certa vez ele, a estrangulou tão forte que ela desmaiou. Quando se deu conta da vida que estava levando, a jovem tentou recomeçar, mas como ela conseguia dinheiro para Garion através da prostituição, o homem não estava nada disposto a deixá-la ir. O traficante ameaçava a adolescente, dizendo que a mataria se ela tentasse fugir. Outro motivo que a impedia de ir embora era o fato de Garion saber onde a mãe adotiva da jovem morava – e ela temia que algo acontecesse com ela.
Depois dessas três semanas de tormento, Cyntoia foi negociada para um cara de 43 anos chamado Johnny Allen, com quem teve que dormir por alguns trocados de dólares. Nessa fatídica noite, Johnny mostrou a ela uma coleção de armas que decorava sua casa e revelou que tinha experiência no Exército. Foi quando o assassinato pelo qual foi condenada aconteceu. No tribunal, Cyntoia contou que eles estavam na cama quando Johnny tentou forçá-la a ter relações sexuais. “Ele me agarrou pelas pernas, com força“, disse. Quando a garota rejeitou a investida, Johnny se virou para o outro lado do quarto e ela entrou em pânico, acreditando que ele pegaria uma das armas para machucá-la. A adolescente, então, pegou a arma que Garion havia lhe dado e atirou no homem.
Embora tivesse somente 16 anos, Cyntoia foi julgada como adulta e condenada a prisão perpétua por prostituição e homicídio. A sentença também determinava que ela só poderia pedir liberdade condicional quando completasse 69 anos.
Hoje, presa há 13 anos, Cyntoia está com 29. Ela estudou e se formou dentro da prisão, mas ainda está muito longe de ter chance de recuperar a liberdade. Em 2011, Daniel H. Birman dirigiu um documentário sobre a história completa de Cyntoia, chamado “Me Facing Life: Cyntoia’s Story”.
Uma petição online para libertar Cyntoia Brown já reúne mais de 300 mil assinaturas. Além disso, celebridades como Kim Kardashian, Rihanna, Cara Delevigne e Lauren Jauregui estão se manifestando com a hashtag #FreeCyntoiaBrown, pedindo justiça. Kim Kardashian ainda afirmou que já acionou seus advogados para ajudar a prisioneira – que já estava presa muito antes de ser condenada na Justiça.
“O sistema falhou. É de cortar o coração ver uma garota traficada sexualmente e, quando ela tem coragem de lutar contra isso, é aprisionada para sempre! Precisamos fazer o que é certo. Eu chamei meus advogados ontem para ver o que pode ser feito pra consertar isso”, escreveu.
“Nós mudamos a definição de justiça? Porque algo está horrivelmente errado quando o sistema deixa estupradores passarem ilesos e a vítima é condenada para sempre! Aos responsáveis pela sentença dessa criança, eu espero que vocês não tenham filhos, porque essa poderia ser sua filha“, Rihanna disse no Instagram.
“Que p#rr@ de justiça é essa? Eu me pergunto se esse homem de 43 anos teria sido preso, se ele enfrentaria o resto da vida dele na prisão. Mas, infelizmente, ele não teria. Nós precisamos parar de punir e envergonhar as vítimas, dizer a elas que a culpa é delas é mentira”, escreveu Lauren Jauregui no Twitter. Cara Delevingne também se pronunciou: “o sistema da justiça é tão ultrapassado! Isso é completamente insano“.
Se toda essa história fosse o enredo de um filme de ficção, provavelmente o assassinato de Johnny Allen seria o desfecho, o momento em que a protagonista Cyntoia Brown se livraria de um dos vilões que atormentava sua vida. A adolescente então conseguiria se livrar de Garion McGlothen, descobriria que ele havia morrido logo em seguida e receberia apoio da Justiça. Na vida real, contudo, não foi esse o fim dessa história de terror. A adolescente pode ter cometido um erro ao se envolver com um traficante, mas a Justiça cometeu outro muito pior a condená-la por ter sido traficada sexualmente, agredida outras diversas vezes pelo namorado abusivo e abandonada pela mãe. Dez anos em uma solitária foi apenas o começo de sua sentença: “eu lido hoje contra o abandono e problemas de autoestima, assim como lido com as atitudes que tive com relação aos meus relacionamentos(…) Eu acho que crescer teria sido diferente se eu tivesse tido uma mãe (adotiva) mais presente em minha vida(…) Você nunca aprecia a sabedoria dos pais até surgir uma oportunidade em que você precisa realmente dela”, desabafou Cyntoia durante documentário produzido pela BBC.
Quem realmente deveria estar atrás da grades? Será que Garion teria sido condenado se não tivesse sido morto antes? Será que Johnny teria sido condenado por aliciar meninas menores de idade e alimentar a prostituição? Difícil ter certeza disso quando a Justiça condena uma menina de 16 anos e dá liberdade a tantos outros estupradores por aí.