Não, este não é um blog sobre Girls. Mas quem acompanha, sabe que desde segunda-feira, o assunto da vez nas redes sociais é o último episódio da série, One Man’s Trash, focado <spoiler> apenas na Hannah e nos 2 dias que ela passa na casa de um cara rico e bonitão. Uma porção de sites fez críticas bem sem noção duras à Lena super peladona o tempo todo e ao cara “muito acima do nível dela” que fazia a atração parecer irreal, etc. Outros defenderam a atuação do episódio, mas questionaram se a Lena é mesmo corajosa por aparecer nua.
No meio dessa confusão, eu e a Ju de Faria, do Albergue GLOSS, fizemos um chat Girls e tricotamos sobre tudo: nudez, corpo, preconceito, atuação e até se a Lena é mesmo essa criatura egocêntrica de que todo mundo fala.
Vamos lá…Fala, Ju!
Mari diz:
É O assunto, né?
Ju diz:
O que eu gostei ali foi a armadilha da Lena: ela está ali, pelada, diante do bonitão, querendo saber se o merece ou não. E incrível como algumas pessoas caíram, apesar do assunto corpo e peso já ser debatido over e over, assim como a provocação que ela vem fazendo nesta segunda temporada.
Mari diz:
Exato. A Lena colocou uma cena dificílima e honesta pra Hannah no meio do sexo e ninguém NOTOU. Que é a hora em que o Joshua diz pra ela que ela é bonita, ela se surpreende e diz que nem sempre ouve isso. Oi, tapanacaradasociedade.
o faladíssimo macacão de Hannah durante o episódio
Ju diz:
SIM. Exatamente. Está todo mundo preocupado com o fato de uma menina jogar pingue-pongue pelada.
E a cena de quando ela diz que quer all the things? Para mim, o seriado renasceu. A personagem virou outra, passou de fase. Fiquei até tocada, senti o grito da Hannah. Porém, acho que a cena foi abafada por dois motivos:
1) A atuação descoordenada da Lena, talvez proposital, talvez não. Ela fala de algo tão forte com uma voz de choro infantil, sem lágrima.
2) As chatices da Hannah, estas sim, de propósito. Eu enxergo e gosto de ver a imaturidade dela, porque as pessoas levam tudo à sério, como foi o caso do “voice of a generation”, taxando a Lena de egocêntrica, por exemplo. Na verdade, não passa de uma jovem que tomou drogas e foi pedir dinheiro para os pais. As coisas são muito menos do que todo mundo acha. E por isso são tão importantes (e que, num ciclo bizarro, acabam sendo grandes).
Só acho que na hora do “I want all the things”, ela poderia ter ido um pouco mais além, mais emocional, mais desesperada. Porque… o que pode ser mais tocante para uma menina de 20 e poucos que quer mudar o mundo perceber que, na verdade, ela quer é comer churrasco na casa do namorado?
Enfim, Girls está fritando minha cabeça. Eu li que, no Globo de Ouro, o Louis CK abraçou a Lena e disse: what you are doing is important. (O que você está fazendo é importante). E esses reviews despreparados e equivocados fazem parte do “important”.
Mari diz:
Ju, você disse tudo. Senti falta também de uma catarse mais física naquela cena. Mas realmente acho que ela queria que fosse esquisito. Depois que entrevistei a Allison (Marnie), fiquei com a sensação de que a Lena é muito específica sobre a forma com que quer passar determinadas coisas que considera vitais. E imagino que essa cena seja uma delas.
De uma forma ou de outra, o que ela fala ali é importante sim, afinal, a gente sente essa necessidade em experimentar de tudo, em ter uma vida plena e quase revolucionária, mas às vezes temos sonhos burgueses, pequenos, prosaicos, que escondemos dentro da gente. E parir uma coisa dessas depois de desmaiar na casa de um estranho deve ser meio bizarro mesmo.
Todo mundo com um tantinho de noção sabe que o que ela está fazendo pode não ser perfeito, mas é importante. Talvez ela até seja egocêntrica mesmo (quem sabe?), mas ela tá falando a verdade.
E enquanto isso, a galera tá reclamando do macacão. Really, o rei está nu.
ou a rainha, né?
Ju diz:
Não acho a Lena egocêntrica. Acho que porque ela dirige, escreve e atua, as pessoas dão aquela virada de olhos com preguiça. E para falar a verdade, estou gostando de vê-la pelada mais e mais. É um tapa na cara mesmo. “Não quer ver gente feia e pelada na TV, certo? Então toma.”
Olha, se eu tivesse crescido vendo Girls, tenho certeza de que teria muito mais segurança com o meu corpo. No sentido de poder reconhecer, enfim, na TV, as mesmas celulites que tenho. E também passar a admirar e achar bonito alguém que está acima do peso e usa top cropped. O bonito, na verdade, é aquilo com o que a gente se acostuma a ver. E mulheres de cabelo despenteado, coxas grossas e rosto oleoso não é o que as pessoas querem mostrar em filmes ou seriados.
Mari diz:
Parte do sucesso da Lena eu atribuo à maneira como o jovem de hoje é (re) tratado, como um bando de bebê chorão perdido. Ninguém parou pra pensar que talvez houvesse outro caminho, outra maneira de ser jovem.
Quanto ao corpo, tô contigo. Por isso essa hipótese de que o episódio todo seria um sonho me incomoda. Tudo bem que a própria Lena disse que escreveu meio com febre e viajando, mas é um sonho por quê? Por que é o sonho secreto da Hannah ter aquela vida ou porque uma garota como ela só merece essa vida dentro da própria cabeça?
o sonho da vida de propaganda de margarina
Ju diz:
Não tenho problemas com a ideia do capítulo ser um sonho. Li o episódio como “conceitual”, tipo aqueles especiais de Natal ou Halloween. Acho que a proposta do sonho em nada tem a ver com “Joshua é ou não é muita areia para o caminhãozinho da Hannah?”, apesar da Lena fazer essa provocação em várias cenas. E sim com a questão de: sou uma mulher jovem, segura e independente. Mas sonho com um namorado que é médico e use suéteres mais caros do que meu aluguel. É o conflito da mulher moderna que sente culpa em querer um cara bonito, bem de vida e que cuide dela.
Mas existe sim dois pesos e duas medidas quando falamos da estética de homens e mulheres. Por que não é tabu o fato de Woody Allen sempre formar parzinhos românticos com mulheres lindas e mais novas do que ele (Noivo Neurótico, Noiva Nervosa; Manhattan)?
Mari diz:
Também encaro o episódio como “de fora”, mas por ela admitir que quer coisas que não teria coragem de valorizar na frente das amigas. Até porque, gosto que a Lena mostre a Hannah tão frágil às pressões da vida e da opinião alheia, enquanto todo mundo acha que ela é uma egocêntrica.
O que é mais bizarro, Ju, é que todo mundo achou divertido o casamento da Jessa com o babaca lá. Mas se incomoda com o Joshua (não que o casal não seja estranho pros padrões do que se vê na TV, mas a Lena queria realmente provocar estranhamento, na minha opinião.)
por que esse casal não choca?
Ju diz:
OOOOU até mesmo Booth Jonathan e Marnie.
Mari, quando você viu o episódio, você achou assim tão estranho o casal Hannah e Joshua?
Porque, confesso, acho que não fiquei tão chocada, tão desconfortável.
Mari diz:
Não! O Adam com ela me deixava mais incomodada, sempre a achava tão doce e vulnerável a ele, que parecia quase louco e diminuindo ela em todo encontro. Demorei a gostar dele, a perceber que talvez ele realmente gostasse dela, tanto quanto era capaz.
Com o Joshua, não achei nada estranho. Mas passei a entender o estranhamento das pessoas lendo os comentários, vendo de fora. Não é o que ninguém espera assistindo sitcom se não for pra criar uma situação surreal e cômica (talvez por isso todo mundo pire na história do sonho).
Até porque, pra mim, o Joshua e a Hannah estão no mesmo território emocionalmente. Ambos tentando encontrar uma ligação com algo, alguma satisfação. Ele também parece super perdido.
um cara rico e gato não abriria a porta pra ela?
Ju diz:
O grande problema é a generalização: “um cara como ele nunca abriria a porta para uma menina como ela”.
No fim, acho que boa arte é aquela que desperta algo nas pessoas. Às vezes coisas boas, às vezes ruins. E, com o seriado, a gente tem a oportunidade de poder entrar em discussões que ficam apagadas, discretas. Até quando a gente vai ter que ouvir que temos que estar com o “corpo em dia” para usar top cropped?
Mari diz:
Sabe o que é pior? É um discurso tão dominante que a gente nem estranha mais. Parece super natural.
Você reparou que a Hannah (depois de perceber a cara que o Joshua fez quando ela teve toda aquela epifania) foi e reafirmou que não era estranha, que era muito inteligente e sensível?
Mais do que se defender como sempre, ela conquistou alguma coisa ali com o cara desconhecido, porque teve pela primeira vez um homem que a fez sentir desejada e que ouviu o que ela tinha a dizer. As tais cenas de sexo caminharam para a satisfação dessa vez (e não para o esquisito). Acho que transar com esse cara a fez perceber que, na maior parte das vezes, a busca por todas as experiências possíveis a distancia cada vez mais de usufruir as experiências que quer. Ela vira uma checklist ambulante.
Ju diz:
Uma checklist ambulante. Quem nunca? Acho que por isso que sites de listas fazem tanto sucesso.
Contamos com as opiniões de vocês pra continuar essa conversa, meninas. Deixem aí nos comentários.
Beijo 😉