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Gautier Lee é a roteirista por trás das nossas séries LGBT+ preferidas

Sim, ela é a cabeça que pensou na diversidade de De Volta Aos 15, nossa produção preferida do momento

Por Arthur Ferreira Atualizado em 7 ago 2023, 08h04 - Publicado em 6 ago 2023, 14h51

Gautier Lee é uma das profissionais que compõe a equipe de roteiristas da segunda temporada de De Volta Aos 15 (Netflix) e confessou à CAPRICHO que – assim como muitas de vocês que estão lendo esse texto – já fez de tudo para ir a um show de seu artista preferido e simplesmente amava séries como Pretty Little Liars quando era adolescente.

E foi lá, aos 17 anos, que ela se interessou por atuação e começou a estudar teatro em sua cidade natal, Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. “Aí que bom que eu estou confessando [aventuras da adolescência] isso para vocês da CAPRICHO, é um sonho de adolescente total”, brincou durante conversa com a nossa reportagem sobre sua experiência.

Ela, que é uma pessoa negra e LGBT, batalhou muito para traçar um caminho no audiovisual aqui no Brasil. Mas hoje ela faz parte da equipe de roteiro das segundas temporadas de De Volta Aos 15, da Netflix, e Auto Posto, do Comedy Central – duas séries que nós amamos – e, além disso, conquistou o Prêmio Abraço de Excelência em Roteiro deste ano, viu?

Ah, e ela também é fundadora  do Coletivo Macumba Lab, em que desenvolve um trabalho que engloba muita diversidade reunindo profissionais negros e negras do audiovisual no Rio Grande do Sul.

E vocês acharam que para por aí? Formada em cinema pela PUC-RS, ela já conquistou outros prêmios, como o Cabíria de Melhor Piloto de Série em 2019 e está participando do desenvolvimento de outras duas séries previstas para estrear em 2023 na GloboPlay e Amazon Prime – e, sim, estamos ansiosas para saber mais. 

O espelho de uma adolescência queer (talvez como a sua)

E olha só: foi justamente sua adolescência que inspirou uma de suas cenas preferidas na série, tá? Pois é, senhoras e senhores leitores de CAPRICHO: a cena entre Bruna e Luiza – alô, você que não assistiu, isso não é um spoiler, tá? – não só é a preferida da roteirista, mas também foi uma realização pessoal. A série com Shay Mitchell grudou na mente de Lee e a acompanhou desde a época pré-vestibular até o final da faculdade.

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“E eu só continuei assistindo porque a Shay Mitchell estava beijando moças”, conta. “Então, para mim, quando posso escrever um beijo desses em uma série teen é círculo completo, completei minha missão de vida e já posso morrer feliz”, brinca.

Por esses e outros motivos nós estamos obcecadas pela nova temporada da série. Com os novos episódios, mais momentos icônicos surgiram nas aventuras de Anita, interpretada por Maisa e Camila Queiroz.

De RBD a Rouge e de Capricho impressa a Charlie Brown Jr, as várias referências aos anos 2000 despertam o sentimento de nostalgia combinado com muita comédia e romance. Isso sem falar na trajetória incrível da Nila, que passa por um processo de autodescoberta intenso enquanto uma pessoa trans e ganhou muito mais destaque na trama.

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E a série terá uma terceira temporada, viu? E, anota aí: conseguimos alguns spoilers e, um deles, é que teremos uma mudança brusca do período escolar para o da faculdade em um novo ciclo para as personagens.

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“Vocês podem esperar humor parecido com o da segunda. Vai ter esse pulo no tempo de 3 anos – tem até aquela brincadeirinha no teaser que a logo virar De Volta ao 18 – então a personagem vai para 2009. E nessa época a gente tem referências diferentes de cultura pop, já não temos mais a referência de Rebelde, mas temos outras coisas acontecendo.”

Além de todos esses temas, Gautier Lee nos contou o que pensa sobre aquela velha e boa discussão sobre como são retratadas as tramas LGBTs em filmes e séries como Heartstopper, Alice Júnior, etc., que tem finais felizes e narrativas que não são pautadas apenas pela violência que atravessa a vivência dessa realidade.

A gente pode ter tudo isso, todo tipo de história em tons diferentes. A gente não pode transformar tudo em algo homogêneo para todas as narrativas seguirem uma única lógica, porque isso é muito muito chato, sabe?”, pontua.

Vem ler a entrevista completa com ela abaixo:

CAPRICHO: Você não assina somente o roteiro de ‘De Volta aos 15’, mas também de outras séries como ‘Alto Posto’ e ‘Depois que Tudo Mudou’. Todos esses projetos contam com personagens LGBTQIA+ em suas narrativas. Como foi escrever as tramas de cada um desses personagens?

Gautier Lee: É muito doido, porque o que mais diferencia é exatamente isso: são histórias completamente diferentes em que esses personagens por acaso são LGBTs. Em Auto Posto a nossa história é sobre aquele posto e as pessoas que estão ali. Em De Volta aos 15, a história é a Camila Queiroz viajando no tempo e virando a Maísa, né? E aí ela encontra essa melhor amiga que é uma adolescente, como todas as outras, porém ela lida com questões de gênero também.

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Até porque ela tá na adolescência, né? Ela está se descobrindo, é todo um processo de autodescoberta que não existe da mesma forma no Depois que Tudo Mudou, porque eles já têm consciência das próprias sexualidades e as novas descobertas são mais em relação às personalidades deles. A Camila, em De Volta aos 15, funciona com problemas diferentes do que o Camilo em Depois que Tudo Mudou, e isso é o que torna tão legal. Eu escrevi três personagens LGBTs diferentes, então é muito divertido.

Na primeira temporada de De Volta aos 15, o público é apresentado à Camila e na segunda temporada a trama dela ganha muito mais destaque. Como foi fazer parte do desenvolvimento dessa personagem?

Toda a sala de roteiro estava muito afim de fazer uma história boa, sensível e que passasse uma mensagem de acolhimento sem fazer todo um fuzuê em volta disso, sabe? A gente queria que fosse uma história de autodescoberta, e não uma história de sofrimento, por mais que a personagem tenha momentos tristes.

A questão do pai, por exemplo, é difícil, mas não é violenta e sim em um lugar de “medo que a minha filha sofra a violência na rua, porque as pessoas são horríveis”. E de fato as pessoas são horríveis e pessoas como a Camila estão suscetíveis a sofrer violência na rua, mas a gente queria trazer esse lado mais de compreensão por parte do pai.

Poxa, a série se passa em 2006. A grande maioria dos pais não iria conseguir entender e ele mesmo tem dificuldade, mas ainda assim a aceitação fala maior que o entendimento. Eu acho que se fosse assim na vida real ia ser tão bom. Se a gente conseguisse aceitar coisas que são diferentes da gente mesmo sem entender, a vida seria um sonho.

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A gente queria que fosse uma história de autodescoberta, e não uma história de sofrimento, por mais que a personagem tenha momentos tristes

Gautier Lee, sobre De Volta aos 15

Na internet há uma discussão muito forte sobre como são retratadas as tramas LGBTs em filmes e séries. Quando uma produção como De Volta aos 15, Heartstopper e Alice Júnior surgem, muitas pessoas criticam essas histórias com finais felizes porque algumas fogem da realidade de muitas pessoas, enquanto outra parcela do público está cansada das mesmas retratações de sempre. Qual sua opinião sobre isso?

Eu sei que existe até uma terceira via que ainda defende que produções estilo Heartstopper até prejudicam, no caso de caras gays. Levantam aquela questão de que todo mundo gosta porque é fofinho, não tem putaria e não fala explicitamente sobre sexo, mas ao mesmo tempo a galera super endeusa Sex Education, em que os dois protagonistas não são personagens LGBTs – apesar do Eric quase roubar a cena no lugar do outros. Ainda assim têm uma representatividade muito grande. 

Eu acho que todos os argumentos são válidos. A gente tem que continuar debatendo não só sobre representatividade, mas também representação, sabe? Como que a gente está fazendo isso? A gente pode ter tudo isso, todo tipo de história em tons diferentes. A gente não pode transformar tudo em algo homogêneo para todas as narrativas seguirem uma única lógica, porque isso é muito muito chato, sabe? 

A gente tem histórias para todos os gostos então vamos ficar felizes que está existindo diversidade dentro da diversidade. A gente pode ver uma comédia e ter personagens LGBTs não sofrendo, mas também pode ver um longa de denúncia que vai tratar sobre a parte política e tudo bem que tudo é político, mas nem Jesus Cristo agradou todo mundo… Vamos comemorar que a gente tem conteúdo para diversos gostos.

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Se a gente conseguisse aceitar coisas que são diferentes da gente mesmo sem entender, a vida seria um sonho.

Uma das cenas mais bonitas da série é quando as meninas se vestem como as personagens de Rebelde e rola aquele momento lindo em que a Camila, vestida de Mia Colucci, se sente confortável ao se olhar no espelho. Como surgiu essa ideia para a sala de roteiro? 

Pô, um evento épico, né? Juntar as amigas em 2006 para ver o episódio final de Rebelde, e no Brasil ainda por cima, onde o programa foi extremamente famoso. A gente também tentou pensar nessa lógica: “o que que meninas de 15 anos estariam fazendo?”, sabe? A gente ficou um tempo tentando construir coletivamente como que ia ser essa coisa delas se vestirem, porque em uma das primeiras tentativas a gente achou que estava meio infantil, não estava fluindo. Aí nós fomos tentando outras possibilidades e chegamos nessa montagem delas sem falarem nada, sem elas disserem: “Oi amiga, vamos juntas se vestir de Rebelde! Se fantasiar!”. Queríamos que fosse uma coisa mais adolescente e mais espontâneo, a gente não queria que parecesse um momento forçado.

Elas estão juntas se preparando falando sobre sexo e vendo a mãe ouvindo elas falando sobre sexo – que são situações constrangedoras na adolescência, às vezes na vida adulta também (risos). A gente pensou: “e se elas só começam a brincar com isso de forma irônica, colocam uma peruca de qualquer jeito e tiram foto” e quem cada uma das personagens seriam, sabe? E aí vem o peso que isso teria para personagem da Nila.

A minha interpretação é que para a Camila aquele foi um momento de se sentir em um lugar seguro, com as amigas se divertindo e ela tendo uma curiosidade muito grande – quase avassaladora – e talvez aquele seja o único lugar que ela pudesse colocar essa roupa sem ser ofendida ou violentada. Não acho que uma adolescente de 15 anos tenha um pensamento tão complexo assim, mas eu acho que isso se reflete nos sentimentos dela.

Outro momento de destaque da personagem nessa temporada é quando eles vão para a balada em São Paulo, representando uma questão muito presente na vida dos adolescentes LGBTs que vivem no interior: o sonho de ir para a capital. Como você se relaciona nesse momento?

Aí que bom que eu estou confessando isso na CAPRICHO (risos), sonho de adolescente total. Quando eu tinha entre 15 e 16 anos, eu fugi de casa – eu morava em Angra dos Reis no interior do Rio de Janeiro – para ir no show dos Jonas Brothers da turnê Camp Rock. Era uns 800 em 2010, estava caríssimo. Só que a mina que eu namorava na época, ela ganhou um par de ingressos numa promoção de rádio. Eu eu juro que eu fui responsável e tentei falar com os meus pais, mas eles não aceitaram. Desculpa, mas eu não ia deixar a chance de ver os Jonas Brothers de graça. O show era no domingo, aí sábado de manhã eu fui para a minha aula de espanhol normal e depois peguei um ônibus na rodoviária. Não me arrependo, eu já era grandinha, deu tudo certo e eu voltei, né?

Qual foi o seu momento favorito da temporada?

O beijo da Luiza e da Bruna. Esse me pegou muito porque eu assisto muita coisa teen desde que eu era teen e uma das séries foi mais importante na minha construção, enquanto pessoa mesmo, foi Pretty Little Liars (risos). Eu assisti o primeiro episódio e achei ok. Assisti o segundo porque me falaram que era bom. No terceiro tinham meninas se beijando e eu fiquei “essa é a melhor série do mundo”. 

Escrever esse beijo foi muito divertido e eu lembro que eu estava no meu homeoffice e eu olhava para o computador e ficava andando de um lado para o outro. Eu estava tão animada e energizada que eu não conseguia só sentar e escrever. Eu ficava pensando “a Bruna é esse tipo de personagem e a Luísa tá na vibe ‘quero beijar a qualquer custo'”. E as apresentações das personagens são muitos diferentes, né? Uma é muita menina, ex-princesa, a outra é 100% rock and roll.

Eu fiquei muito feliz, é a realização de um sonho ter escrito esse beijo. E eu vi ele sendo gravado, vi ele pronto e aí eu comecei a ver os edits das personagens no TikTok com mais de 100 mil likes e eu fiquei “gente, mais de cem mil contas viram um beijo que eu escrevi e gostaram”.

Se você, assim como os personagens de De Volta aos 15, pudesse voltar no tempo, faria alguma coisa diferente?

Nossa, eu faria tudo diferente. Pelo amor de Deus (risos). Se eu voltasse para os meus 15 anos, eu ia começar a terapia e não esperaria até ter quase 30 anos para começar a fazer. Ia me ajudar a passar certas coisas de forma mais rápida. Eu também ia cuidar melhor da minha saúde e sofrer menos. Antes eu costumava ter muita ansiedade de juventude – que é esse momento que a gente quer muito fazer as coisas. A gente precisa passar por esses momentos de amadurecimento, porque são importantes, mas eu queria ter ferramentas melhores para passar por eles. Eu acho que essa seria minha diferença em relação à Anita, nossa personagem, porque ela tenta mudar os acontecimentos e eu não ia tentar mudar, só ia me dar mais ferramentas para lidar com os acontecimentos que eu já saberia que viriam pela frente.

A série acabou de ser renovada para mais um ano com a Netflix, o que nós podemos esperar da terceira temporada?

Ainda não caiu minha ficha que vai ter a terceira temporada. Nós fomos renovados! Vocês podem esperar humor parecido com o da segunda. Vai ter esse pulo no tempo de 3 anos – tem até aquela brincadeirinha no teaser que a logo virar De Volta ao 18 – então a personagem vai para 2009. E nessa época a gente tem referências diferentes de cultura pop, já não temos mais a referência de Rebelde, mas temos outras coisas acontecendo.

É uma série de nostalgia, né? A nostalgia pega bastante para todo mundo que viveu essa época de alguma forma. E eu acho que isso vai continuar. Esse sentimento de nostalgia para mim, observando o processo de produção, é um dos pilares fundamentais da obra. E também vai continuar falando sobre amizade, mas agora nesse lugar universitário que é uma dinâmica muito diferente do ensino médio. Vamos falar talvez desse desbravamento da Universidade.

Acho que a música também é sempre um elemento muito importante, ainda mais no personagem do Caio Cabral, o Henrique, e isso se intensificou na segunda temporada com a Bruna e o Fagulha  E claro, os casais. Eu sinto que o público é bem dividido. Existe uma torcida bem barulhenta para um lado e existe uma torcida que eu eu sinto que é um pouco mais quieta para o outro lado, mas que ainda existe. Eu estou super curiosa para saber o que vai rolar com todos esses casais.

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