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Usar cor-de-rosa para ver Barbie não é fútil. É poderoso e libertador!

O desprezo pela tonalidade socialmente considerada feminina só serve a um único sistema, o patriarcal

Por Sofia Duarte 23 jul 2023, 10h00

Rosa. O que vem à sua cabeça quando vê essa cor? Fragilidade, futilidade e domesticidade? Ou poder, força e potência? Ao longo da história, todas essas características já foram (e ainda podem ser) atribuídas ao cor-de-rosa, e essas percepções trazem à tona um debate fundamental sobre construções sociais de gênero. Recentemente, devido à estreia do filme Barbie dirigido por Greta Gerwig, temos visto uma enxurrada da cor que remete à boneca da Mattel em produtos e publicidades das áreas de design, moda e beleza, fenômeno que levantou, mais uma vez, luz acerca do tema tão importante.

Surgiram críticas e olhares depreciativos a respeito de pessoas entusiasmadas pelo lançamento do longa que não perderam a oportunidade de vestir rosa. Isso porque a cor é tradicionalmente associada ao gênero feminino, que durante séculos foi considerado inferior ao masculino. Usar rosa para ir ao cinema e assistir a Barbie é considerado fútil e ridículo, mas se um homem sai por aí com uma camiseta do Capitão América porque ele é fã da Marvel tudo bem, né? Nunca foi apenas sobre usar uma peça de roupa rosa; a questão é bem mais profunda do que isso e, para entendê-la melhor, vamos voltar um pouquinho no tempo…

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Rosa já foi de menino: um olhar para a história

Pasmem: nem sempre rosa foi considerado ‘coisa de menina’ e azul, de menino. É o que João Paulo Baliscei, Doutor em Educação e professor do curso de Artes Visuais na Universidade Estadual de Maringá, estuda em seu livro Não se nasce azul ou rosa, torna-se: cultura visual, gênero e infâncias. “Antes do século XX, como muitos dos homens líderes políticos faziam uso de roupas e acessórios vermelhos (em referência à força, à determinação, ao sangue e à guerra), era recomendado aos meninos vestirem-se com tonalidades rosa – uma versão mais clara da cor utilizada pelos adultos que eles almejavam ser”, explica ele em entrevista à CAPRICHO. Para comprovar essa afirmação, o pesquisador se utiliza dos retratos que o pintor espanhol Diego Velázquez (1599–1660) fez do príncipe espanhol Baltazar Carlos (1629–1646), entre 1631 e 1646.

“Em muitas dessas telas, o corpo de Baltazar Carlos era representado, ainda criança e atravessado por uma faixa na cor rosa – e também utilizando outro elemento que hoje é associado ao feminino: vestidos (mas essa é uma outra história). A iconografia cristã também recorre ao rosa como um marcador da masculinidade – como podemos ver nas milhares de pinturas, esculturas, estatuetas e artefatos manufaturados a partir dos quais o Menino Jesus é representado usando rosa”, afirma.

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A mudança de significado no século XX

No entanto, ao decorrer do século XX, uma série de fatores contribuiu para a mudança da perspectiva tida pelo rosa até então, que passou a ser visto estritamente como uma cor feminina. Baliscei destaca alguns desses motivos: a influência de ícones populares; a expansão do consumismo; o uso de estratégias publicitárias para capturar as crianças individualmente, e não como grupo homogêneo; e as disputas entre movimentos sociais e grupos religiosos com convicções e defesas conflitantes entre si.

O professor conta que o processo que, nesse período, relacionou o rosa à feminilidade costuma ser chamado de ‘Pinkification’, e opera até hoje nos modos como as crianças são ensinada a se relacionar com a cor – os meninos devem evitá-la e desprezá-la; e as meninas, deseja-la e persegui-la. Segundo ele, algumas figuras públicas contribuíram para que o rosa fosse ressignificado no imaginário popular coletivo, como a primeira-dama estadunidense Mamie Eisenhower (1896–1979). “A esposa de Dwight D. Eisenhower (1890– 1969), o 34º presidente dos Estados Unidos, fez uso constante de acessórios e vestidos rosa e, nesse sentido, colaborou para que sua elegância e sensibilidade, assim como o papel de ‘esposa tradicional’ que exercera, fossem relacionados à cor em questão.”

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Em 1959, Ruth Handler (1916-2002) criou a primeira boneca Barbie, que, atualmente, é enxergada como uma das responsáveis por associar o cor-de-rosa a identidades femininas. E como a boneca acompanhava diversos artigos de moda e beleza, com roupas, acessórios, sapatos e maquiagens, a cor rosa também passou a ser relacionada à vaidade e ao consumo.

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Pink é punk!

A frase Pink is Punk estampada em camisetas da Valentino tem fundamento. A cor fez parte do movimento punk dos anos 1970 e 80 que surgiu na Inglaterra; não à toa, foi a cor escolhida para pintar a fachada da famosa loja de roupa punk chamada ‘Sex’, fundada em Londres pela estilista Vivienne Westwood e seu companheiro Malcom McLaren, que era artista e agente dos Sex Pistols. Na década de 1990, a cantora americana Courtney Love trouxe uma estética grunge e subversiva a suas produções cor-de-rosa, contribuindo para o estilo que traduzia os questionamentos da juventude sobre as regras, padrões sociais e o sistema no geral.

Rosa é a única cor verdadeira do rock n’ roll“, disse uma vez o baixista Paul Simonon, da banda The Clash.

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Não, não é cool se sentir superior por odiar rosa

No icônico desfile quase inteiro pink da Valentino na semana de moda de Paris de outono-inverno 2022-23, ficou nítida a tentativa de subverter as tradicionais conotações atribuídas ao rosa – desde a noção de infantil ao fútil e ridículo. Com transparências, roupas fluidas, terninhos, volumes e ousadia, a cor dominou a passarela de um jeito empoderador e provou que exalar feminilidade, ao contrário do que as construções sociais nos fizeram pensar durante muito tempo, significa colocar toda a sua potência e confiança pra fora, significa exalar a liberdade de ser quem somos.

O filme Barbie devolve ao rosa seu caráter transgressor ao acompanhar o poder das mulheres incríveis que vivem na Barbie Land e mostra que essa cor fala por si só e jamais deve ser subestimada. Ir ao cinema e encontrar um mar de pessoas vestidas de rosa é um alívio, um quentinho no coração. Não é cool julgar rosa como fútil, desprezar mulheres que performam feminilidade e se sentir superior por isso. Esse pensamento só serve a um único sistema, o patriarcal.

Florence Pugh no desfile de outono-inverno 2022-23 da Valentino em julho usando vestido rosa de tule
Florence Pugh no desfile de outono-inverno 2022-23 da Valentino Vittorio Zunino Celotto/Getty Images

E aí, pronta para colocar seu look rosa e ver Barbie no cinema? <3

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