Escrever textos sobre expectativas é sempre muito difícil. É preciso manter uma linha delimitada entre o sonho e a realidade. E como jovem ativista dos direitos das meninas e mulheres, percebo que esse binômio é bastante corriqueiro e difícil de se negociar. Foi com o pé no chão, que eu fui enviada como correspondente até a Woman Deliver Conference 2023, em Kigali, Ruanda, na África, do terceiro setor e órgãos públicos para falar sobre igualdade de gênero no mundo – e vou contar tudo aqui nessa parceria editorial da CAPRICHO + Girl UP,.
Eu tenho um lugar privilegiado, nesse sentido: faço parte do programa de jovens líderes da organização desde 2020, onde apliquei e recebi treinamento para aprimorar minha liderança, claro, mas também para ter apoio e suporte em ações futuras.E fazer isso estudando Direito em uma universidade pública é um caminho não convencional, né? E, confesso: fazer o que não é comum pode ser muito assustador.
O tema da conferência que reúne mais de 6 mil pessoas em todo o mundo é “Espaços, Solidariedade e Solução” e vou acompanhar conversas com temas super importantes para o nosso futuro. Ah, e, além de mim, existe mais 300 jovens líderes de vários lugares do globo com absolutamente tudo pago para participar de painéis e discussões, viu?
Os que mais me interessam são: “Para onde está indo o financiamento para a juventude” e “Filantropia transformadora por meio de colaborações inovadoras: o fundo de resiliência para mulheres em cadeias globais”.
Eu explico: eu gosto de tentar enxergar caminhos para otimizar a cadeia de financiamento do terceiro setor (organizações da sociedade civil, como ONGs, Institutos, etc., que defendem direitos humanos) porque, no final, são elas que tomam as decisões e articulam para que, na prática, nossa vida mude no futuro. Tenho a expectativa de que respondam à minha pergunta: será que realmente os grupos marginalizados estão ganhando autonomia nas decisões e para gerir suas soluções?
E essa responsabilização das organizações é o primeiro passo para compreender que as soluções devem ser coletivas. E não poderiam ter escolhido melhor o país para isso, viu? Ir pela primeira vez para a África sendo uma menina negra que teve sua memória ancestral apagada pela violência do estado tem um valor muito, muito grande. Estou realizando o sonho de atravessar o Atlântico que poucas pessoas como eu têm a oportunidade de concretizar.
Mas porque Ruanda?
O motivo é simples: Ruanda é um país que foi negligenciado de todas as formas pelos entes da comunidade internacional. O local é marcado pela constante reparação de danos, que se estrutura na busca por soluções.
Ir para lá discutir igualdade de gênero nesses termos, para mim, é um movimento de memória, reparação (de novo) e esperança (elementos muito necessários para que o nosso sonho se torne realidade). Ruanda é o coração da África, e sua história tem muito a nos ensinar sobre o que eu realmente acredito ser uma verdadeira luta pelos direitos humanos.
Eu mudei bastante ao longo desses três anos como jovem líder e, além disso, percebi que sonhar é necessário para mudar a realidade, mas que também precisamos ter o pé ancorado na realidade. Entendi que todos os atravessamentos de marcadores sociais da diferença (gênero, raça, classe, idade) fazem com que certos sonhos não se concretizem para muitas pessoas – e que também me atravessam a nível pessoal por ser uma mulher negra – e é hora de imaginar um futuro diferente.