Evolução da equidade de gênero não existe sem participação da juventude
O maior evento da ONU destinado a pensar políticas públicas eficazes para um futuro feminino não é tão acolhedor assim.
Comissão sobre a Situação das Mulheres (CSW) é um evento em que ativistas e pessoas que trabalham com a temática de gênero mergulham nos problemas que ainda precisamos resolver quando o assunto é o futuro de meninas e mulheres. Claro, sempre com um foco específico.
Este ano, o tema desenvolvido foi a erradicação da pobreza e financiamento voltado para a temática de gênero. Ou seja, quais ações estão sendo feitas para erradicar a feminização da pobreza no mundo? Por que, em países mais pobres, são as mulheres que estão nos índices de que ganham menos e sofrem mais com a desigualdade social e econômica?
Em duas semanas de evento, pude vivenciar e absorver muita coisa. A CAPRICHO e a Girl UP Brasil, juntas acompanharam pelo segundo ano a comissão, que é o maior encontro anual da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre igualdade de gênero.
Ou seja, é “só” o evento mundial mais relevante sobre o tema, viu? As decisões tomadas ali podem impactar o nosso futuro em um mundo que ainda precisa ser muito melhor para nós.
Eu, Clara Capiberibe – 24 anos, jovem amazônida e estudante de ciências ambientais – escrevo para vocês direto de Nova York, enquanto volto para Tujucu, minha cidade, próxima de Macapá, no Amapá.
A primeira semana naquele espaço foi bem movimentada. Foi ali que aconteceu o evento de abertura e outros encontros paralelos. Esta é a oportunidade de ouro para quem quer conhecer pessoas que se conectam com seu propósito; em uma mesma sala você pode encontrar de líderes mundiais até colegas ativistas que buscam pela garantia dos nossos direitos.
E nada como perceber que, mesmo sendo um evento para pensar exclusivamente o presente e o futuro das meninas e mulheres, pude perceber muitas contradições. Começando pelo fato de que a cerimônia de abertura foi conduzida por cinco homens, que facilmente poderiam ser substituídos por mulheres. Por lá, muitas ocuparam um lugar de escuta e não de fala.
Eu tive a oportunidade de participar dos encontros com a delegação brasileira, trocando com ministérios, secretarias, ativistas e coletivos que atuam no Brasil sobre a temática de gênero nas suas regiões. Mas um ponto que me pegou foi que apesar disto, encontrei poucas brasileiras no espaço oficial da ONU e poucas meninas jovens. Entendendo que este espaço ainda tem muito para acolher essas vozes que são deixadas de lado.
Como disse a diretora-executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka, “antes de ser uma mulher ativista eu fui uma menina ativista e esse espaço também precisa acolher as jovens meninas que estão começando.”
O fórum de juventudes foi realizado fora do espaço oficial, o que demonstra claramente como a juventude é vista: como algo alheio, externo. É uma temática e uma abertura que vamos ter que continuar lutando para conseguir. Conheci meninas tão incríveis, confiantes e revolucionárias que lutaram muito para sair dos seus lares e ocupar esse espaço na conferência buscando fortalecer a luta das juventudes e infelizmente ainda tem pouco apoio e visibilidade dos seus países.
Conheci meninas tão incríveis, confiantes e revolucionárias que lutaram muito para sair dos seus lares e ocupar esse espaço na conferência buscando fortalecer a luta das juventudes e infelizmente ainda tem pouco apoio e visibilidade dos seus países.
Clara Capiberibe, jovem amazônida e estudante de ciências ambientais
É na segunda semana de conferência que acontece a revisão dos termos propostos por cada país. Na reunião do Brasil com a sociedade civil, pude entender o que é um posicionamento dos grupos. São posições, de fato, escritas e enviadas à ONU meses antes de o evento acontecer. Ali, acontece a revisão presencial das propostas e, caso elas não estejam alinhadas com o tema da conferência, são eliminadas. Por exemplo, se o tema do ano é pobreza, tópicos sobre tecnologia são descartados.
Após essa reunião percebi como é importante que o Brasil trabalhe esses pontos em conjunto com a sociedade civil. Eles ganham mais força e ambos os grupos trabalham em conjunto tendo consciência dos processos que virão a seguir. Criar estratégias para um trabalho mais efetivo nas próximas CSW.
Volto para minha cidade entendendo que é muito importante se movimentar localmente, mas com o pensamento no global. Conheci muitas meninas e mulheres que atuam com muita eficiência em suas localidades, com pouco recurso e são vistas como grandes exemplos a serem seguidos e aplicados em outras comunidades.
A 68ª sessão da Comissão sobre o Estatuto da Mulher (CSW68) apresentou, no documento oficial, decisões robustas por parte dos Estados-Membros da ONU para reforçar o financiamento e as instituições para erradicar a pobreza das mulheres e das meninas no mundo.
Mundialmente, 10,3% das mulheres vivem hoje em situação de pobreza extrema, conforme o relatório apresentado pelo Secretário-Geral da ONU à Comissão, e o progresso no sentido de acabar com a pobreza precisa de ser 26 vezes mais rápido para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030.
O documento final (ou Conclusões Acordadas) da ONU no evento reconheceu que são necessários mais esforços para aumentar os recursos para resolver a questão.
E vi que a minha participação neste espaço, uma menina da Amazônia, de um estado periférico, que ousa fazer mudanças na sua localidade através das ações coletivas e engajando jovens, tem um grande impacto nos pequenos mundos de pessoas que mudam seu olhar por entrar em contato com novas perspectivas.
Eu mudei após essa experiência. Eu estive aberta para aprender, trocar e contribuir com todos aqueles que tive a oportunidade de conhecer. Fiquei mais confiante sobre todos os trabalhos que desenvolvo com muito afeto, tempo e qualidade aqui no meu Estado e percebendo e valorizando os impactos super positivos que isso tem causado.
Agradeço à CAPRICHO e à Girl UP Brasil por acreditarem na minha história e no que eu tenho a compartilhar. Até a próxima. 😉