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Meninas de até 14 anos estão mais vulneráveis à violência sexual no Brasil

Em mais de 80% dos casos, a violência sofrida por meninas acontece dentro de casa e pais ou tios são os agressores.

Por Andréa Martinelli 19 jun 2024, 06h00
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o Brasil, agressões sexuais foram o tipo de violência mais recorrente registrada contra meninas de 10 a 14 anos – ou seja, que fazem parte da nossa galera e estão no período da infância ou na transição para a adolescência. Os dados, que são alarmantes e levantam um alerta às autoridades, pertencem ao estudo Atlas da Violência, divulgado nesta terça-feira (18).

O levantamento é uma parceria do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) com o FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), dois institutos de pesquisa super importantes e renomados aqui no Brasil. Para a nova publicação, foram analisados dados referentes ao ano de 2022; os números vêm a público em meio ao debate público sobre violência e direito ao aborto.

Você, leitor e leitora de CAPRICHO, certamente está acompanhando o assunto que tomou as redes sociais, o Congresso Nacional e até as ruas nas últimas semanas. Por aqui, nós já te contamos que circula na Câmara dos Deputados um projeto de lei que visa alterar o Código Penal e aumentar a pena para mulheres e meninas que buscam pelo aborto acima de 22 semanas de gestação.

Assim, a interrupção da gravidez para uma vítima de estupro seria equiparada ao crime de homicídio, trazendo sanções penais maiores para as mulheres que interrompem a gestação, enquanto a do agressor que comete o estupro se manteria menor. Pela atual legislação, a pena pelo crime de estupro é de 6 a 10 anos; já a de homicídio pode chegar até 20 anos.

A proposta também sugere alterar o artigo da lei atual que estabelece os casos em que o aborto é permitido por lei – risco para a vida da gestante ou em todos os casos de gravidez resultante de estupro – e barrar totalmente o acesso ao procedimento.

Em 2022, ano analisado pela pesquisa, foram registrados 221.240 casos de violência contra meninas e mulheres, o que representa uma agressão sexual a cada 2 minutos.

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Acontece que, segundo os dados do Atlas, o cenário que vivemos é muito mais complexo: a agressão sexual representa quase a metade (49,6%) dos casos de violência contra meninas na faixa etária entre 10 e 14 anos. O relatório ainda classifica que há uma “epidemia de violência sexual” contra meninas no país.

Em 2022, ano analisado pela pesquisa, foram registrados 221.240 casos de violência contra meninas e mulheres, o que representa uma agressão sexual a cada 2 minutos.

Os homens são autores em 86,6% dos casos, e são maioria em todas as faixas etárias a partir dos 10 anos de idade das vítimas. Em 81% dos casos, a violência sofrida por meninas ou mulheres aconteceram dentro das próprias residências (116.830). A via pública é o segundo lugar mais comum, com 6,1% dos registros.

Ou seja, a partir dos 10 até os 14 anos, meninas brasileiras são vitimadas principalmente por formas de violência sexual, com homens que ocupam as funções de pai, tio ou padrasto como principais algozes.

Um crime ainda oculto pela subnotificado

Uma ativista pelo direito ao aborto segura um lenço durante uma manifestação a favor da descriminalização do aborto no Dia Internacional do Aborto Seguro, em 28 de setembro de 2023, no Rio de Janeiro
Uma ativista pelo direito ao aborto segura um lenço durante uma manifestação a favor da descriminalização do aborto no Dia Internacional do Aborto Seguro, em 28 de setembro de 2023, no Rio de Janeiro Buda Mendes/Getty Images

Anualmente, 25 mil crianças de até 14 anos têm filhos no País, segundo dados do Sistema de Nascidos Vivos, do SUS (Sistema Único de Saúde). E ah, é importante lembrar que, por lei, relação sexual com menores de 14 anos é considerado estupro de vulnerável. Assim, todas as vítimas têm o direito de interromper a gestação nos termos garantidos pela lei.

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Esses números indicam como o acesso a este direito é dificultado e pouco acessado por elas. Outro levantamento, realizado pela Revista Azmina entre 2015 e 2022, contabilizou, em média, 1.800 abortamentos legais realizados por ano – este é um dado super difícil de coletar no SUS (Sistema Único de Saúde), já que estamos falando de um crime e a subnotificação é uma realidade.

Os tipos de violência, segundo o Atlas da Violência

Violência física (também denominada sevícia física, maus-tratos físicos ou abuso físico): são atos violentos, nos quais
se fez uso da força física de forma intencional, não acidental, com o objetivo de ferir, lesar, provocar dor e sofrimento ou
destruir a pessoa, deixando, ou não, marcas evidentes no seu corpo.

Violência psicológica/moral: é toda forma de rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito, cobrança exagerada,
punições humilhantes e utilização da pessoa para atender às necessidades psíquicas de outrem. É toda ação que coloque
em risco ou cause dano à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa.

Violência sexual: é qualquer ação na qual uma pessoa, valendo-se de sua posição de poder e fazendo uso de força física,
coerção, intimidação ou influência psicológica, com uso ou não de armas ou drogas, obriga outra pessoa, de qualquer sexo
e idade, a ter, presenciar ou participar de alguma maneira de interações sexuais, ou a utilizar, de qualquer modo, a sua
sexualidade, com fins de lucro, vingança ou outra intenção. Incluem-se como violência sexual situações de estupro, abuso
incestuoso, assédio sexual, sexo forçado no casamento, jogos sexuais e práticas eróticas não consentidas, impostas, pornografia infantil, pedofilia, voyeurismo; manuseio, penetração oral, anal ou genital, com pênis ou objetos, de forma forçada.

Negligência/abandono: é a omissão pela qual se deixou de prover as necessidades e os cuidados básicos para o
desenvolvimento físico, emocional e social da pessoa atendida/vítima. Ex.: privação de medicamentos; falta de cuidados necessários com a saúde; descuido com a higiene; ausência de proteção contra as inclemências do meio, como o frio e o calor; ausência de estímulo e de condições para a frequência à escola. O abandono é uma forma extrema de negligência.

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“Muitas vezes, a situação de abuso demora a ser descoberta e a gravidez identificada, fazendo com que demorem mais a chegar nos serviços de aborto legal ou nem cheguem a eles”, explica Laura Molinari, coordenadora da campanha Nem Presa Nem Morta.

Somente 3% dos municípios brasileiros contam com um serviço de aborto legal. Além das crianças, muitas mulheres precisam viajar para acessar o direito e não contam com recursos, nem estrutura para isso. Aquelas que são mães ou cuidadoras, precisam também se organizar para realizar essas viagens. Tudo isso explica porque muitas vezes a busca pelo direito ao aborto legal acaba acontecendo após 22 semanas de gestação. 

Vitimadas durante toda a vida

O estudo ainda traz dados que mostram que, ao longo de suas vidas, meninas e mulheres são atravessadas pela violência de diversas formas.

O Atlas afirma que, entre as vítimas de zero a nove anos, a violência mais frequente foi a negligência, com 37,9% dos casos, seguido de violência sexual com 30,4%.

Já na faixa etária de 10 a 14 anos, a violência sexual se torna prevalente – tal violação foi apontada em 49,6% dos registros no Sinan, o sistema do Ministério da Saúde no qual os dados são coletados.

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A partir dos 15 até os 69 anos, ou seja, em toda a vida adulta da mulher, a violência física passa a ser a mais comum: na faixa etária de 15 a 19 anos esteve presente em 35,1% dos casos de violência; chegou a 49% entre mulheres de 20 a 24 anos e se manteve acima dos 40% até os 59 anos.

Quando mais idosa, a partir dos 70 anos, a negligência volta a ser uma forma de violência bastante presente na vida das mulheres, crescendo até o fim da vida (no box acima, a gente te explica exatamente o que significam esses tipos de violência).

Mas como toda essa discussão sobre aborto começou, CAPRICHO?

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Cris Faga/NurPhoto/Getty Images

Tudo isso começou por que, em 17 de maio, uma decisão liminar do Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que tentava coibir o aborto acima de 22 semanas. No mesmo dia, o PL 1904/2024  foi protocolado pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) na Câmara Federal.

Ao UOL, o deputado afirmou que tiraria do Congresso o projeto de lei que equipara o aborto ao crime de homicídio, caso o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) também retire a ação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a assistolia fetal – exatamente a que Moraes suspendeu.

A resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina), proibia profissionais de utilizarem um procedimento médico – que induz um parto vaginal com ingestão de medicamento – nas vítimas de abuso sexual com gestação de mais de 22 semanas. O STF acolheu questionamento do PSOL junto à corte e entendeu que não cabe ao Conselho legislar sobre a questão.

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Em reação, o deputado apresentou a proposta que equipara o aborto a homicídio. Ela é assinada por 32 deputados, incluindo o vice-presidente da Casa, Sóstenes Cavalcante, e o presidente da Bancada Evangélica, Eli Borges (PL-TO).

No início de junho, o Brasil foi cobrado pelo Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) da ONU para descriminalizar e legalizar o aborto no país. 

Neste texto, a gente te explica em 3 pontos porque equiparar o aborto ao homicídio é um problema.

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