- Never Let Me Down Again, do Depeche Mode, porque “os anos 80 significam problemas”.
Só se fala em The Last of Us – e aqui na “Ecos da Terra” não vai ser diferente! A série da HBO, baseada no game criado pela Naughty Dog e pela Sony Interactive Entertainment, está dando uma aula de roteiro e adaptação. E uma aula também sobre o que pode acontecer com o nosso planeta caso a gente não tome atitudes drásticas.
Tá, tudo bem, a Terra não vai acabar com um apocalipse zumbi (desculpa destruir o seu sonho), mas, embora seja uma história de ficção, a trama traz algumas reflexões importantíssimas e pra lá de reais.
A primeira cena do seriado se passa em um programa de auditório, em 1968. Dois epidemiologistas conversam sobre um fungo chamado Cordyceps, que realmente existe na vida real, como já explicamos na CAPRICHO anteriormente. “Fungos não sobrevivem se a temperatura interna do hospedeiro for mais que 35ºC. Atualmente, não há motivo para evoluírem e suportarem mais calor. Mas e se isso mudasse? E se o mundo ficasse um pouco mais quente? Aí sim o fungo teria razão para evoluir“, questiona o Dr. Neuman (John Hannah).
No terceiro episódio, Joel (Pedro Pascal) explica para Ellie (Bella Ramsey) a mais provável teoria envolvendo a infecção mundial: “Ninguém sabe ao certo, mas deve ter sido mutação do Cordyceps. Pode ter se misturado à comida, em um ingrediente básico como farinha ou açúcar. Havia marcas vendidas em toda parte: pão, cereal, mistura de panqueta… A comida contaminada chegou às lojas na quinta(…) Na segunda, tudo já era”.
Mas então é possível que as mudanças climáticas provoquem mutações em micro-organismos e novas doenças? Sim.
O aquecimento global, por ser um gerador de desequilíbrio, é um fator que pode provocar novas epidemias ou facilitar as já existentes, como explica Mauro Cardoso, Cientista de Dados e Epidemiologista da 3778.
Além de provocar alterações nas dinâmicas de transmissibilidade de doenças, o aquecimento afeta o modo como os organismos causadores de enfermidades se espalham. “Saúde e doença não são processos exclusivamente individuais. O ser humano faz parte de uma rede ecológica e qualquer desequilíbrio ambiental tende a afetar o fluxo e a velocidade de transmissão de doenças, principalmente as infecciosas, criando padrões de ondas chamadas epidêmicas. Da mesma forma que uma enfermidade é um adoecimento individual, uma epidemia é um adoecimento coletivo”, conta o especialista.
Em The Last of Us, a teoria principal é a de que o Cordyceps encontrou um jeito de se desenvolver em alimentos básicos, extremamente consumidos pelos seres humanos, o que facilitou a contaminação global. Por razões externas, a farinha pode ter se tornado um ambiente acolhedor para o fungo – o que pode acontecer na vida real, mesmo que não necessariamente com a espécie em questão. “O aquecimento global pode tanto desfavorecer uma espécie, criando dificuldades para sua sobrevivência, quanto favorecê-la, se o novo clima torna seu desenvolvimento mais propício. A espécie pode, por exemplo, encontrar novas áreas quentes onde era muito frio ou áreas úmidas onde era muito seco. Em geral, se uma espécie se encontra em um cenário favorável para a multiplicação, as mutações são mais comuns e o risco de variantes mais virulentas (capazes de provocar doença) aumenta”, pontua o Dr. Mauro.
Outro ponto de atenção é mostrado por Pedro Côrtes, Professor Titular do Instituto de Energia e Ambiente da USP: “Com o aumento da temperatura, várias áreas onde você tinha o solo permanentemente congelado estão voltando a uma temperatura acima de 0º, ou seja, estão descongelando. E algumas dessas áreas têm animais congelados, extintos, e esses restos de animais estão voltando a ter um contato com a atmosfera atual. Eventualmente, eles podem ser portadores de vírus, bactérias e fungos que, a principio, estavam extintos na superficie, mas podem ser trazidos de volta“.
Essas mudanças físicas da Terra também podem estimular o aparecimento de novas pandemias e doenças, assim como a mutação de organismos. Até porque, com as mudanças climáticas, determinados eventos, que antes eram raros, se tornam mais frequentes e intensos, e causam o desequilíbrio ambiental pontuado pelo Dr. Mauro: “O desmatamento pode facilitar o aparecimento de doenças novas ou antigas, que voltam à cena e são chamadas emergentes”, exemplifica. Casos recentes do tipo são o Ebola e a Varíola dos Macacos. “As novas doenças são, geralmente, versões adaptadas ao humano de doenças já conhecidas em outros animais”, alerta o epideomologista.
E não é justamente o que acontece em The Last of Us? Um fungo que, anteriormente, só tinha como hospedeiro insetos como formigas e que, por um desequeilíbrio ambiental, passou a contaminar também seres humanos. E quanto mais quente a superfície da Terra fica, mais próximo estamos de um apocalipse. “Quando a gente tem esse acúmulo de gases do efeito estufa na atmosfera, é como se a gente estivesse aumentando a espessura do nosso cobertor. Então, a gente retem mais o calor que recebemos do Sol e colocamos mais energia no oceano. Então, processos climáticos que antes ocorriam sobre determinadas situações energéticas passam a ser mais intensos, porque há mais energia (calor) disponível”, alerta o professor Pedro.
Eis aqui mais uma prova de que é burrice negar a existência das mudanças climáticas ou então simplesmente achar que elas são um problema futuro. Processos de mutação podem mesmo levar milhares ou até milhões de anos, mas o hoje já interfere nesse amanhã e faz ele ficar cada dia mais próximo. É tudo uma questão de sinapses neurais – e a gente bem sabe que ainda não tem nenhum fungo controlando o seu cérebro. 👀