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O que é justiça reprodutiva e a sua importância no debate sobre aborto

Nem todas meninas e mulheres têm a mesma autonomia reprodutiva e o mesmo direito de cuidar dos filhos.

Por Juliana Morales Atualizado em 17 mar 2024, 19h35 - Publicado em 17 mar 2024, 10h06
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ocê já ouviu falar sobre ‘justiça reprodutiva’? Diante da desigualdade social, racial e de gênero presente na nossa sociedade, esse termo se torna fundamental na discussão sobre os direitos sexuais e reprodutivos de meninas e mulheres no Brasil. E é muito importante que a nossa galera participe ativamente dessa conversa, viu?

Segundo dados da PNA (Pesquisa Nacional Sobre Aborto), realizada em 2021, uma a cada duas mulheres fez um aborto antes dos 19 anos. Dessas, 6% antes dos 14 anos. A maioria são mulheres negras que se encontram em situação de vulnerabilidade. Um outro estudo recente, publicado na revista Ciência e Saúde Coletiva da Abrasco, apontou que mulheres negras apresentam uma probabilidade 46% maior de fazer um aborto, em todas as idades, com relação às mulheres brancas. 

Esses dados evidenciam que a raça, classe e gênero impactam no acesso à saúde e no exercício dos diretos no campo da sexualidade e reprodução. Ou seja, diferentes grupos de mulheres têm oportunidades desiguais para tomar decisões sobre seus corpos e ter acesso a direitos de saúde também.

Aqui temos outro exemplo, infelizmente. A pesquisa Nascer no Brasil, realizado pelo Ministério da Saúde, apontou que a morte de mães negras é duas vezes maior que de brancas. Elas têm menos acesso à assistência pré-natal – que é um importante instrumento para prevenção de morte e outras complicações decorrentes da gestação, tanto para mães quanto para os bebês. O índice de gestantes que começaram os atendimentos no segundo trimestre da gravidez – considerado tardio – ficou em 13,4 % para pretas e pardas e 9,1% para mulheres brancas.

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É diante dessa realidade que surge a luta por justiça reprodutiva, principalmente por mulheres pretas e pardas. Segundo a feminista e ativista afro-americana Loretta Ross justiça reprodutiva significa “o completo bem-estar físico, mental, espiritual, político, social e econômico de mulheres e meninas, com base na plena realização e proteção dos direitos humanos das mulheres”. Ou seja, os direitos das meninas e mulheres no campo sexual e reprodutivo não são apenas individuais, mas estão diretamente ligados à justiça social.

Como explica o Guia de Defesa Popular da Justiça Reprodutiva, produzido pelo Coletivo Margarida Alves, o termo ‘justiça reprodutiva’ surgiu a partir de um encontro de mulheres negras em Chicago, nos Estados Unidos.

Nomeadas ‘Mulheres de Descendência Africana pela Justiça Reprodutiva (Women of African Descent for Reproductive Justice), elas perceberam que “o movimento de direitos das mulheres, liderado e representado por mulheres brancas de classe média, não defenderia as necessidades das mulheres racializadas, e outras mulheres marginalizadas e pessoas trans”.

Em 1994, foi definido, internacionalmente, o conceito de direitos sexuais e direitos reprodutivos na Conferência sobre População e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas, realizada no Cairo. A partir de então, mulheres e homens foram reconhecidos como sujeitos do direito básico de “decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos e de ter a informação e os meios de assim o fazer, e o direito de gozar do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva. Inclui também o direito de toda pessoa de tomar decisões sobre a reprodução, livre de discriminação, coerção ou violência.”

Justiça reprodutiva vai além do aborto

A luta por justiça reprodutiva não trata-se apenas do direito ao aborto e a escolha de ter ou não filhos. Ativistas como Ross defendem que as mulheres desfavorecidas tenham também o direito de cuidar dos filhos, assim como controlar as opções de parto.

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Ao decidir prosseguir com a gravidez, quais políticas garantem atendimento e apoio para que, independente da classe social e raça, a mulher tenha uma gestação saudável? E, depois, o que é feito para que ela, a criança e toda a família tenham acesso ao saneamento básico, à saúde, à educação e às condições que permitam o desenvolvimento humano?

A pesquisadora Emanuelle Góes, doutora em Saúde Pública pela Universidade Federal da Bahia, falou sobre o tema durante um encontro promovido pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), enfatizando que justiça reprodutiva não é somente sobre aborto, não é um intercambio ou troca entre justiça reprodutiva e direito reprodutivo.

É muito mais do que isso. Segundo ela, em dos aspectos a ser considerado em justiça reprodutiva é o genocídio de jovens negros – e as mães enlutadas perdem o seu direito de maternidade. A cada 100 mil assassinatos, 86,34% são de jovens negros, de acordo com dados levantados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A cada 23 minutos, um jovem negro é morto no Brasil.

“A justiça reprodutiva dá luz a isso, um tema que não é novidade no movimento de mulheres negras, um debate já pontuado sobre a autonomia reprodutiva, o direito de ter filhos e vê-los crescer”, afirma.

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