Continua após publicidade

Trabalho do cuidado caiu no Enem e na Fuvest, mas ainda é invisível

Você aí do outro, lendo a CAPRICHO, já parou pra pensar em como isso está presente no seu dia a dia? Quais funções a sua mãe, avó ou tia realizam em casa?

Por Juliana Morales Atualizado em 23 nov 2023, 19h22 - Publicado em 23 nov 2023, 18h38
P

or meio da proposta de redação, o Enem instigou alunos a pensarem sobre a invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher. Já a Fuvest, no último domingo (20), também apresentou dois textos sobre o tema na primeira fase. Mas apesar desta discussão ter sido valorizada pelas provas, este é um tema que ainda é pouco discutido e, por isso, invisível.

Você aí do outro lado da telinha, lendo a CAPRICHO, já parou pra pensar em como isso está presente no seu dia a dia? Quais funções a sua mãe, avó ou tia realiza dentro de casa? A responsabilidade de planejar, organizar e tomar decisões relacionadas à casa e aos filhos ficam apenas com elas, que estão sempre sobrecarregadas? E qual o papel do seu pai, tio ou avô?

Um fato que é importante ressaltar que é todos nós precisamos de cuidados para existir, trabalhar, produzir e ganhar dinheiro. E, sim, isso é trabalho, mesmo que não remunerado e ocupa muito a rotina de mulheres e meninas em nosso país, ocasionando em uma carga mental muito grande.

Mulheres e meninas dedicam aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas quase o dobro do tempo gasto pelos homens. E isso é comprovado pelo IBGE. A edição mais recente da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua: Outras formas de trabalho, mostra que as brasileiras gastam 21,3 horas semanais nessas atividades, em média, enquanto os homens gastam 11,7 horas. Ou seja, o dobro. Deu pra perceber o tamanho do problema?

Mulheres e meninas dedicam aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas quase o dobro do tempo gasto pelos homens.  

Continua após a publicidade

Segundo outra pesquisa, mas da FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), 65% do trabalho de cuidado é feito por mulheres. Se isso fosse levado em consideração, ou seja, fosse remunerado de forma adequada, esse esforço acrescentaria ao menos 8,5% ao PIB (Produto Interno Bruto) do nosso país.

Mas como resolve, CAPRICHO?

Uma das formas é pensar na economia do cuidado – ideia importante não só para o Enem e outros vestibulares, mas para o debate público e repensar a sua relação com essa questão no seu dia a dia.

Mas também olhar para as políticas públicas que estão sendo desenvolvidas e buscar investimentos para o trabalho de cuidado é essencial quando pensamos em uma proposta de resolução. Quer um exemplo na prática?

Continua após a publicidade

O instituto brasileiro Procomum promove, em parceria com diversos mobilizadores sociais do Brasil e da América Latina, a iniciativa ‘LA Cuida’ – que tem como missão reconhecer, mapear, articular e estimular ações e iniciativas comunitárias da região que tenham como foco, práticas de cuidado seja na cultura, na economia ou/e na política.

Em cada edição, são selecionados dez projetos de economia do cuidado. As pessoas por trás das ideias contam os conhecimentos que elas precisam para colocá-las em prática. Com a ajuda de colaboradores das mais diferentes áreas, elas recebem mentorias, além de recursos financeiros, para desenvolverem e aprimorarem seus protótipos.

“Queremos que participem trabalhadoras domésticas, mas também sindicalistas, produtoras, analistas de dados, desenvolvedores, ativistas para que eles troquem ideias e pensem em inovações”, diz Georgia Nicolau, diretora de parcerias e institucional do Procomum. 

Continua após a publicidade

Ela explica que a iniciativa parte do pressuposto de que quem tem as soluções são as pessoas que estão sofrendo o problema e, abraçando a diversidade da sociedade, chega-se em respostas mais amplas, inovadoras e comuns para resolvê-lo.

No laboratório que aconteceu na Colômbia, em junho deste ano, por exemplo, um dos projetos selecionados tratava-se de desenvolver uma metodologia de cuidado para mulheres no contexto do sindicato nacional da trabalhadoras domésticas afro-colombianas.

“O sindicato dá conta de um monte de coisa relacionada a salários e direitos, mas como criar também um espaço de cuidado com as mulheres dentro dessa organização? Nos nove dias de laboratório, foi pensado como criar uma metodologia para isso”, explicou Georgia.

Continua após a publicidade

O cuidado é a base de tudo

Georgia destaca que quando existe a chance, como acontece com a iniciativa La Cuida, é possível perceber como as pessoas têm muito contribuir para toda a sociedade.

“Por isso, os gestores públicos têm o desafio de olharem para as pessoas não como alguém que vai ser consultado sobre os problemas, mas como alguém que tem as soluções”, diz a diretora do Procomum. “Aí você muda a lógica de um Estado que é paternalista e olha para a sociedade como usuária para um Estado que escuta, está aberto para inovação e coproduz com as pessoas”, completa. 

Quando você coloca o cuidado no centro, você percebe que não é que eu preciso trabalhar para cuidar da vida, mas eu preciso cuidar da vida para trabalhar.

Georgia Nicolau
Continua após a publicidade

Ela também afirma que é preciso olhar para o cuidado, não meramente como uma parte da vida, mas como a base que mantém a vida. Todo mundo precisa de cuidados, desde a alimentação até roupas lavadas e passadas, para viver bem e produzir.

“Quando você coloca o cuidado no centro, você percebe que não é que eu preciso trabalhar para cuidar da vida, mas eu preciso cuidar da vida para trabalhar”, diz Georgia.

Essa é uma ideia que poderia ter guiado a proposta de intervenção do Enem, mas que toda a nossa galera deve ter em mente para a vida.

Publicidade