Tratar meninas vítimas de violência sexual como assassinas é covardia
Estamos lutando por um direito já conquistado e não podemos retroceder.
ocê certamente deve estar acompanhando a maior discussão sobre política e direitos das meninas e mulheres que tomou as redes sociais nos últimos dias. Se não, vem com a gente, que vamos te explicar tudo.
Na última semana, o requerimento de urgência para aprovar o projeto de Lei 1940/2024, que equipara aborto após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio, foi votado em 23 segundos na Câmara dos Deputados e endossado por uma maioria esmagadora de parlamentares homens.
O projeto, de modo geral, obriga meninas e adolescentes a terem filhos de quem as violentou sexualmente, restringindo ainda mais os direitos e a autonomia dos corpos de pessoas que gestam. Principalmente os nossos, de meninas e mulheres.
Mas, por que ‘meninas’, CAPRICHO? Bem, eu explico: cerca de 12 mil meninas com idade entre 8 e 14 anos foram mães no Brasil, segundo dados do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). Mas, atenção: 6 em cada 10 vítimas de violência sexual são garotas de até 13 anos e o agressor, na grande parte dos casos, é conhecido da vítima e as agressões acontecem dentro de casa.
Estas meninas vivem em situação de “alienação sexual”, ou seja, não possuem noção de que foram vítimas de estupro, muito menos do risco de engravidar (e muitas vezes convivem com seu abusador dentro de casa, o que dificulta ainda mais a denúncia).
A situação piora quando vemos pessoas falando que a vítima, se criança, não seria criminalizada. De fato, a responsabilidade penal tem início aos 18 anos, porém, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê a responsabilização por meio de atos infracionais análogos ao crime.
É inquestionável que, com essa alteração, nosso país retrocederá pouco mais de um século na garantia de direitos para vítimas de estupro, já que a meta é criar ainda mais obstáculos a um direito já previsto na nossa legislação desde 1940.
Logo, se a lei for alterada, uma menina de 12 anos poderá responder por ato infracional análogo ao crime de homicídio. Como consequência, além de lidar com todo o processo penal, que por si só já é extremamente desgastante para quem o sofre, também sofrerá medidas que restringem bens jurídicos e a sua liberdade pessoal (podendo ser internação, liberdade assistida e semiliberdade) por anos.
Dentro de 22 semanas, a vítima não só tem que descobrir que está grávida, como também conseguir provar que foi vítima de estupro e passar por todo procedimento médico – e é nessa fase que surgem questionamentos que atacam a integridade da vítima.
É inquestionável que, com essa alteração, nosso país retrocederá pouco mais de um século na garantia de direitos para vítimas de estupro, já que a meta é criar ainda mais obstáculos a um direito já previsto na nossa legislação desde 1940.
E é importante ressaltar que: a inclusão do crime de estupro como um crime hediondo, torna ainda mais explícita a importância da proteção a estas vítimas. E o projeto apresentado vai na contramão dessa proteção já garantida pela lei, obrigando meninas e mulheres a levar adiante a gestação resultante da violência a que foram submetidas.
Em outros casos, por exemplo, se uma mulher, depois das 22 semanas de gestação, descobrir que corre risco de vida, também será obrigada a seguir com a gravidez. Estamos falando de meninas e mulheres que terão de escolher a morte ou a cadeia.
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Atualmente, a lei brasileira criminaliza o aborto. Ele é apenas permitido em caso estupro, anencefalia do feto ou risco de vida à gestante. Se a PL for aprovada, toda pessoa que realizar o procedimento acima de 22 semanas poderá ser condenada de 6 a 20 anos de prisão. Já o crime de estupro, no entanto, possui sentença de 6 a 10 anos.
Ao falarmos de uma menina que não consegue acessar o procedimento e chega ao hospital ou à delegacia depois da 22ª semana de gestação, estamos falando de um sistema que falhou em identificar prontamente os casos de violência sexual. E mesmo ao falhar, a responsabilidade e culpa será posta totalmente na vítima.
Hoje, os deputados fazem conchavos e negociam acordos sobre um projeto que nem deveria existir. Tratar meninas estupradas como assassinas é covardia. Estamos lutando por um direito já conquistado e não podemos retroceder.
Isabela Cavalcante, Líder Regional da Girl Up Brasil*
Em um parlamento predominantemente masculino, mas que alega defender ideais de liberdade, o corpo da mulher acaba sendo controlado. Sob este pretexto, são impostas restrições que afetam diretamente os direitos e a autonomia das mulheres. Por isso, é crucial aumentar a representatividade feminina nos parlamentos para garantir que as políticas reflitam realmente a diversidade e as necessidades de toda a sociedade.
A decisão da mulher tem que ser respeitada, tendo o direito de escolher se quer ou não levar uma gestação adiante. A palavra final sobre o aborto cabe às pessoas que gestam, e é para elas que os nossos representantes deveriam legislar.
Hoje, os deputados fazem conchavos e negociam acordos sobre um projeto que nem deveria existir. Tratar meninas estupradas como assassinas é covardia. Estamos lutando por um direito já conquistado e não podemos retroceder.
*Girl Up Brasil é uma organização não-governamental que treina, inspira e conecta meninas na política e as incentiva para serem líderes e ativistas pela igualdade de gênero. Isa Cavalcante tem 22 anos e é estudante de Direito na Faculdade ESAMC.