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O Brasil não está pronto para o ensino à distância nem para o Enem Digital

Não dá para fechar os olhos e romantizar a realidade de parte significativa dos estudantes brasileiros usando frases de efeito em um comercial

Por Isabella Otto Atualizado em 7 dez 2020, 16h48 - Publicado em 11 Maio 2020, 12h33
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CAPRICHO/Divulgação

Em polêmico comercial sobre o Enem 2020 liberado pelo MEC recentemente, o Ministério da Educação deixou claro que “a vida não pode parar”, fazendo referência à pandemia de coronavírus e à aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio, até então confirmado para os dias 1º e 8 de novembro.

A imagem mostra um computador virado de lado em uma mesa e apoiado em uma pilha de quatro livros. Ao fundo da imagem, levemente desfocada, é possível ver uma estante com vários livros.
Nutthaseth Vanchaichana/Getty Images

Neste ano, o governo ainda anunciou uma novidade, o Enem Digital, agendado para acontecer nos dias 22 e 29 de novembro. A dinâmica é a mesma: o candidato precisa pagar a taxa de inscrição de R$ 85 e optar por realizar a prova online em vez da impressa e presencial. O fato foi celebrado pelo MEC como se fosse uma conquista da qual se orgulhar, quando, na verdade, ela não condiz com a realidade do Brasil – assim como o ensino à distância.

Um levantamento realizado pela Abed (Associação Brasileira de Educação a Distância) entre 2017 e 2018 mostra que as matrículas no EAD cresceram 17% no país. Nos últimos dois meses, esse número sofreu um “boom”, já que o surto de COVID-19 levou ao distanciamento social, que levou ao fechamento temporário de escolas e universidades, que levou ao ensino à distância. Se, na teoria, imaginamos um mundo em que todos estão seguros em seus lares estudando, na prática observamos alunos, professores e pais tendo que se reinventar para conseguir se adaptar à nova rotina. Apesar das dores de cabeça, esses ainda são privilegiados. 43% dos estudantes brasileiros matriculados no sistema EAD vivem na região Sudeste. Quase a metade de um índice que mostra como o Brasil é desigual social, cultural e economicamente.

 

Segundo a Abed, as famílias que vivem em regiões rurais são as mais prejudicadas por esse cenário, sendo a região Norte a mais afetada pela falta de estrutura. Um em cada quatro brasileiros não tem acesso à internet, ferramenta indispensável no EAD. De acordo com dados liberados pelo IBGE no último dia 29, coletados pelo Pnad Contínua TIC, 46 milhões de brasileiros não possuem internet em suas casas. O número de residências com acesso tem crescido um pouco a cada ano, não dá pra negar, mas das 74,7% das pessoas com internet, 53,5% se encontram em áreas urbanas e 20,6% em áreas rurais. Dois são os principais motivos: (1) o serviço de internet é considerado caro e (2) os equipamentos para o acesso a ele, como celulares e notebooks, também fogem do orçamento.

Se, para muitos, apesar da gritante desigualdade, a internet é uma opção, mesmo que distante, para outros ela não chega nem a ser uma possibilidade. 4,5% dos brasileiros moram em regiões do país onde o serviço de internet não está disponível. A região Norte é, mais uma vez, a mais afetada por esse cenário. Curiosamente, ou não, a região Norte foi a primeira a ver seu sistema de saúde colapsar diante da pandemia de coronavírus. A perspectiva com relação à internet é apenas uma parte da falta de estrutura de certas localidades brasileiras – quanto mais diante do Sudeste, e de São Paulo, mais complicado fica.

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Contudo, não é preciso colocar na balança estados ou cidades de regiões tão distantes. Uma reportagem realizada por Nathália Tavolieri, do SP1, da TV Globo, mostra que moradores da Viela do Jacaré, na Zona Sul de São Paulo, temem perder o ano escolar por não terem acesso à internet e, consequentemente, não conseguirem participar das aulas à distância promovidas pelo estado. A Viela do Jacará fica em uma das regiões com vários bairros nobres, a Zona Sul, como Vila Nova Conceição, Itaim Bibi e Vila Olímpia. É a desigualdade escancarada, encontrada às vezes do outro lado da rua, mas ignorada.

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A falta de estrutura é responsável por uma das maiores preocupações do MEC com relação ao EAD, relatada pela Abed: a desistência de alunos de cursos à distância. “A gestão é complexa, exige investimento em tecnologia e acima de tudo é preciso entender quem é o seu aluno”, explicou Betina von Staa, coordenadora do Censo EAD da Associação Brasileira de Educação a Distância, em entrevista ao portal R7 em 2019. Essa falta de estrutura ficou visível no polêmico comercial do Enem 2020, que tenta ser esperançoso e mostrar que basta querer para os estudantes conseguirem o que desejam. Uma visão bastante romantizada do Brasil. Na propaganda, o fato de os alunos em questão aparecem estudando de suas casas com equipamentos modernos virou motivo de chacota nas redes sociais. Matricular-se num ensino à distância é uma coisa, conseguir dar andamento a ele concluí-lo são coisas bem diferentes.

A pandemia de COVID-19 chegou para escancarar um monte de coisas que estavam bem diante do nosso nariz, mas que a gente empurrava pra baixo do tapete: nosso descaso com o meio ambiente, as problemáticas por trás do nosso sistema capitalista, a nossa jovem e frágil democracia, o abandono do nosso sistema público de saúde e da nossa educação. Talvez até novembro o Brasil e o mundo já tenham voltado ao normal, o que quer que isso signifique, ou tenham ao menos retomado parte dessa normalidade – e talvez seja esse o foco do MEC -, mas dar a entender em uma propaganda que o futuro dos alunos são eles quem fazem, com determinação, obstáculos superados e vontade, é simplesmente ignorar tais problemas que sempre estiveram lá, mas hoje, por uma razão muitíssimo triste, estão ainda mais aparentes. É egoísmo, é uma falsa meritocracia, é falta de noção da realidade. 

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